quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Denúncia ao STF amplia isolamento de Cunha

• Presidente da Câmara pode virar réu por corrupção e lavagem de dinheiro

• Acusado de receber US$ 5 milhões de propina por contrato de aluguel de navios-sonda para a Petrobras, peemedebista afirma que não deixará o cargo; grupo de deputados pretende pedir seu afastamento

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), será denunciado ao STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ampliando o seu isolamento político, que se aprofundou após a decisão do peemedebista de migrar para a oposição. Acusado de receber US$ 5 milhões de propina por contratos de aluguel de naviossonda para a Petrobras, ele se tornará réu em ação penal caso a denúncia seja aceita pela Justiça. Um grupo de deputados pretende pedir o afastamento de Cunha da presidência da Câmara, possibilidade negada por ele. “Vou continuar no exercício para o qual fui eleito”, afirmou. Os detalhes da denúncia serão conhecidos hoje. O caso deverá ser apreciado pelo plenário do STF em um mês.

A caminho do banco dos réus

• Janot denunciará hoje por corrupção Eduardo Cunha, ampliando seu isolamento político

Jailton de Carvalho, Simone Iglesias, Fernanda Krakovics e Cristina Tardáguila - O Globo

-BRASÍLIA- O Ministério Público Federal envia nas próximas horas ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segundo integrantes do grupo que prepara o texto. O presidente da Câmara será acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, como antecipou O GLOBO em seu site. A denúncia a ser apresentada ao STF tem como base a acusação do empresário Júlio Camargo, que confessou em juízo ter pago US$ 5 milhões em propina para o deputado, mas não se limita a depoimentos de delação premiada. Segundo investigadores, trará indícios contundentes contra o presidente da Câmara. Cunha nega envolvimento com Camargo. Também devem ser denunciados o senador Fernando Collor (PTB) e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

A denúncia enfraquece o presidente da Câmara e aumenta seu isolamento político, ampliado por sua decisão de se declarar oposição ao governo federal, apesar de integrar um dos principais partidos da base. Um grupo de deputados de diversos partidos pedirá o afastamento de Cunha da presidência da Câmara assim que a denúncia da Procuradoria-Geral da República for para o STF.

Um dos principais delatores da Lava Jato, Camargo teria pago o suborno para facilitar a assinatura de contratos de afretamento de navios-sonda entre a Samsung Heavy Industries e a Petrobras. Pelo aluguel de dois navios, a Petrobras teria desembolsado US$ 1,2 bilhão. O pagamento de propina para Cunha e outros envolvidos nas transações seria superior a US$ 40 milhões.

Ajuda do ministério público da Suíça
À época da assinatura do primeiro contrato, no valor de US$ 586 milhões, a diretoria Internacional estava sob o comando de Nestor Cerveró, condenado no início da semana a 12 anos e 3 meses de prisão pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. O negócio teria sido intermediado pelo lobista Fernando Soares, o Baiano, também condenado a 16 anos e 1 mês de prisão.

Os procuradores concluíram pela responsabilização criminal de Cunha por corrupção e lavagem. Na investigação da primeira instância, liderada pela força tarefa de Curitiba, procuradores obtiveram provas da movimentação do dinheiro da propina no exterior com a ajuda do Ministério Público da Suíça. “A cooperação jurídica com a Suíça foi fundamental para a comprovação do fluxo do dinheiro no exterior e comprovação documental dos fatos. Por meio dela, obteve-se documentos irrefutáveis que comprovaram a transferência do dinheiro da Samsung para as empresas de Júlio Camargo e, em seguida, para as de Fernando Soares e Cerveró, bem como para a contas de terceiros indicadas por eles”, informou a força-tarefa em nota divulgada na segunda-feira.

A Câmara passou o dia de ontem em suspense com a notícia de que o presidente da Casa seria denunciado pelo MP. Cunha avisou que não comentaria suposições, mas em reunião com deputados que o apoiam, segundo relatos, estava tenso. O presidente da Câmara avisou que fica:

— Eu não faria afastamento de nenhuma natureza, vou continuar no exercício para o qual fui eleito pela maioria da Casa. Estou absolutamente tranquilo e sereno em relação a isso.

Mesmo com a denúncia contra Cunha, tucanos na Câmara devem manter neutralidade e afiançar sua permanência no comando da Casa. Logo que terminou o recesso parlamentar, Cunha recebeu em sua residência oficial lideranças do PSDB e procurou saber como o partido se comportaria no desenrolar da operação Lava-Jato.

Segundo relatos feitos ao GLOBO, tucanos afirmaram que o PSDB apoia as investigações, mas não irá atacar Cunha. Entre os deputados do PSDB há uma avaliação de que Cunha é a única chance para viabilizar a discussão sobre o impeachment da presidente Dilma.

No cálculo tucano, mesmo que a denúncia seja apresentada agora, levará alguns meses até que o STF decida acatá-la. Nesse meio tempo, pretendem garantir a permanência de Cunha no comando da Casa.

Um grupo de 13 deputados de partidos diferentes se reuniu para debater o assunto. Além dos quatro representantes do PSOL — Ivan Valente (SP), Chico Alencar (RJ), Jean Wyllys (RJ) e Edmilson Rodrigues (PA) —, estavam quatro deputados do PSB — Luiza Erundina (SP), Glauber Braga (RJ), Heitor Schuch (RS) e Julio Delgado (MG); uma do PPS, Eliziane Gama (MA); um dos PROS, Leônidas Cristino (CE); um dos PSC, o vice-líder do governo Silvio Costa (PE) e dois do PT: Henrique Fontana (RS) e Alessandro Molon (RJ).

— Nos reunimos e elaboramos uma minuta da manifesto. Estamos esperando para ver o teor da denúncia. Mas defenderemos que ele se afaste para não prejudicar as investigações — disse Valente.

Na opinião de cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, a imagem do presidente da Câmara sairá arranhada desse processo assim como sua posição de líder no Congresso. Cunha, no entanto, não deve regredir nem baixar o tom em suas aparições. Renúncia não será uma opção no horizonte. A aposta dos especialistas é que o atual presidente da Câmara fará exatamente o oposto: reagirá ferozmente, detonando novas pautas-bomba e criticando ainda mais o governo Dilma.

— Ser denunciado será uma mácula enorme na imagem de Cunha. Ele vai ter que se defender, e essa é a pior coisa que pode acontecer a um político — diz Eugênio Giglio, professor da ESPM Rio. — A pressão para que ele renuncie à presidência da Câmara será muito grande, mas é bastante improvável que ele adote essa saída. Pelo contrário, acho que sua ruptura com o governo será total.

— Cunha não vai renunciar de jeito nenhum — acredita David Fleischer, professor do Instituto de Ciência Política da UnB. — Ele vai continuar comandando a Câmara com mais raiva e mais vigor. A dose de ódio dele com o governo deve aumentar. Podemos esperar mais pautas-bomba.

No Planalto, a expectativa é que Cunha coloque de pé uma “agenda de vingança” contra Dilma.
Apesar das dificuldades neste primeiro momento, a aposta do Planalto é que, no médio prazo, a denúncia será boa para o governo. Ministros próximos à presidente acreditam que, com as acusações, a tendência é que o presidente da Câmara se enfraqueça politicamente.

— É imprevisível quanto tempo ele aguenta. Muitos deputados vão permanecer ao seu lado, mas a Casa sofrerá um desgaste por ter um réu como presidente. Isso passa a contaminar os parlamentares — avaliou um auxiliar palaciano.

Para o cientista político e coordenador do Grupo de Investigação Eleitoral da Uni-Rio, Felipe Borba, a notícia da denúncia é "muito boa" para o governo.

— Ela enfraquece seu principal opositor e pode até levá-lo a deixar a Mesa da Câmara — afirmou. — É bem provável que Cunha se transforme no alvo das manifestações pró-governo que estão agendadas para acontecer hoje, por exemplo. Isso divide o foco das atenções.

No PMDB, o clima é de cautela.

— Qualquer cidadão pode ser alvo de inquérito, pode ser denunciado e tem a presunção de inocência. O presidente da Câmara não está nem acima nem abaixo disso — afirmou o líder do PMDB, deputado Leonardo Picciani (RJ), aliado de Cunha.

Um integrante da cúpula partidária disse que desde que ele foi citado na Lava-Jato e, posteriormente, rompeu com o governo, peemedebistas impuseram um distanciamento. A tendência é que em um primeiro momento, o PMDB se solidarize e dê tempo para ele se defender, mas busque deixar claro que os eventuais erros foram cometidos por Cunha e não pelo conjunto do partido.

— Ninguém quer se contaminar. Deputados próximos se afastaram gradativamente, temendo ser atingidos. Vão esperar para ver as reações de Cunha, do governo e da oposição para definir que caminho seguir — disse um peemedebista da cúpula do partido.

A cúpula do PT também estava cautelosa. Dirigentes petistas afirmavam que ainda é preciso saber se o STF vai acolher a denúncia.

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