• "Ajuste" segue adiante, arrasando a vida cotidiana, mas política joga sacrifício no lixo
- Folha de S. Paulo
O preço do aluguel de residências caiu mais de 11% em um ano, até julho, na cidade de São Paulo. Queda em termos reais, descontada a inflação medida pelo IPCA, conta feita com dados divulgados ontem pelo Secovi, o sindicato das empresas que negociam imóveis.
A recessão está solta nas ruas, parte do povo é esfolada, como de hábito e inevitável, sofrimento ainda mais gratuito e talvez prolongado porque não se percebe princípio algum de ordem, direção e sentido no que se faz em Brasília.
O massacre do ajuste econômico também derruba salários, como se sabe, que caíram em média quase 3% de um ano para cá, nas grandes metrópoles. As vendas em supermercados caíam 1,7% neste ano contado até junho, dado mais recente disponível.
A preços internacionais, "em dólar", o salário médio no país está sendo barateado, tendo voltado ao patamar de 2007, mais ou menos, quando a taxa de câmbio real não devastava a indústria e suas exportações (trata-se aqui da relação câmbio-salário, corrigida pela produtividade). Sim, isso significa "ajuste".
Apesar de consumo em baixa e repressão salarial na prática, a inflação resiste, o início da razia no mundo do trabalho está longe de bastar para reanimar empresas. De novo, sim, isso significa "ajuste". Ainda permanecerá à beira dos 10% ao ano até o Natal, pelo menos. A inflação de alimentos anda pela beira de 11%.
Tarifaço de serviços públicos, indexações formais e informais, descrença restante no Banco Central e o dólar sustentam a inflação e vão atrapalhar a retomada, embora sejam efeitos da limpeza do entulho deixado pelo governo anterior, cortesia ruinosa de Dilma 1.
Parte da viagem do dólar às alturas se deve decerto a tumultos na economia mundial, do qual estamos ora esquecidos, dada a superoferta doméstica de problemas. Parte se deve justamente à catadupa nacional de desastres, burrices, pequenez política e outras mesquinharias sórdidas.
O que resta do governo Dilma 2, basicamente Joaquim Levy, é solapado pelas almas penadas do Planalto e pelo próprio PT. Esses pacotes de socorro via bancos públicos, embora em si mesmo nem façam estrago direto relevante, agora, começam a dar um ar de terra de ninguém à política econômica, já um tanto devastada pelo esfarelamento do ajuste fiscal proposto no início do ano.
Há, óbvio, os cavalões e cavalinhos do apocalipse. O Congresso, abertas as porteiras, sem mata-burros ou mata-loucos, continua a depredar a economia do país, com apoio de alguns lobbies de partes do funcionalismo público e do dito empresariado.
Além de dar sobrevida a Dilma Rousseff, o "acordão" não fez e ainda não tem cara de fazer nada por um acordo mínimo a respeito de mudanças urgentes e de médio prazo. Um plano com três ou quatro dezenas de itens, de resto, é ridículo.
Não há coordenação de partidos, nem de bancadas, lideranças capazes ou interessadas em recolocar alguma ordem no Parlamento. Pelas atitudes recentes, não se nota que a presidente tenha reconhecido o tamanho da encrenca econômica ou política, realimentando ela mesmo crises palacianas, por exemplo.
Em suma, o sacrifício do ajuste em parte é crueldade pura, pois é consumido pela crise política contínua.
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