- O Estado de S. Paulo
Quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, for denunciado à Justiça por corrupção e permanecer no cargo – argumentando que muitos colegas seus também o foram e nem por isso renunciaram ao mandato –, a atual legislatura se tornará oficialmente a mais inacreditável pós-redemocratização. Mesmo competindo com anões do orçamento e o maníaco da serra elétrica, a atual safra parlamentar supera as anteriores em despudor.
A lista do Janot, como ficou conhecido o rol de políticos sob investigação do procurador-geral da República no âmbito da Operação Lava Jato, tem duas arrobas de deputados federais e uma dúzia de senadores. A eles somam-se mais de uma centena que é alvo de inquéritos variados, além de três dezenas que já se graduaram como réus. Todos seguem firmes e fortes nos seus gabinetes, sem qualquer vestígio de vergonha ou embaraço.
Todo mundo é inocente até prova em contrário. Porém, pululam entre os investigados e denunciados aqueles que vão à tribuna fazer discursos indignados clamando pelo impeachment ou pregando a renúncia de políticos rivais – mesmo quando estes ainda não atingiram formalmente o status de investigados e denunciados. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço é o seu mote na vida.
Até aí é palavrório. Faz parte. A conta a ser paga pelo seu, o meu, o nosso só aparece quando essa turma resolve votar. Apenas concedendo aumento de tetos salariais e vinculando a remuneração entre várias carreiras do setor público, somam um par de bilhões por ano às despesas dos governos. Basta-lhes apertar um botão. Se alguém ameaça vetar, unem-se para derrubar o veto – numa mistura de vingança e populismo. Fazem porque podem, e basta.
Quando Cunha for denunciado por Janot ao STF, será curioso acompanhar quantos e quais deputados pedirão que ele renuncie. Formalmente, é legal ele continuar presidindo a Câmara, mas será legítimo? Ou o conceito em moda esta semana não se aplica àqueles que são amigos enquanto forem inimigos dos inimigos?
O Congresso chegou ao ponto em que chegou porque – com raras exceções – só políticos profissionais e seus familiares têm coragem de se candidatar a uma cadeira em qualquer uma das Casas. Se falar mal de deputado e senador virou esporte nacional, por que um líder empresarial ou comunitário vai se arriscar a concorrer? Ainda mais sabendo que o custo de uma campanha eleitoral é impossível para quem não tem patrocinador.
Como regra, o dinheiro é o fator mais determinante para o sucesso em eleições proporcionais. Assim, muito antes de chegar ao Congresso, o candidato a candidato já estará comprometido com os acordos feitos entre partido e empresas financiadoras. Como muitas vezes a doação é intermediada pela direção partidária, o candidato arrisca-se a ser vinculado a uma empreiteira padrão Lava Jato sem nunca ter visto ou conversado com um diretor dessa empresa.
Isso dá enorme poder ao burocrata partidário. Vira ótimo negócio dirigir um partido. Não por outro motivo, há 32 deles, e mais tentam se viabilizar. Pelas mesmas razões, nenhuma mudança no sistema eleitoral mexeu com as doações empresariais de campanha. Ao contrário. O Congresso que aí está certificou-se de que tudo será como antes quando o STF ensaiou quebrar o esquema.
Tudo isso gera um paradoxo do qual o Brasil não consegue sair. Quanto mais critica-se os políticos, mais eles monopolizam a política. E aqueles que se enojam dela são condenados, a cada eleição, a serem governados pelos que têm estômago de aço.
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Este texto foi escrito antes de Janot apresentar denúncia contra Cunha ao STF. Por isso, há uma possibilidade de o procurador ter denunciado o presidente da Câmara e este ter renunciado ao cargo. Esse cenário mudaria algumas vírgulas de lugar, mas não a conclusão nem o problema. E tudo seria ainda mais inacreditável.
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