- O Globo
A impossibilidade de negar com todas as letras que tenha feito a delação premiada é o indício mais forte de que o documento vazado para a revista “IstoÉ” corresponde ao depoimento que o senador Delcídio Amaral teria feito à Procuradoria- Geral da República em Brasília. Bastaria que o próprio senador, ou o procurador-geral Rodrigo Janot, ou o relator no Supremo, ministro Teori Zavascki, qualquer um deles, negasse peremptoriamente a existência da delação premiada para que estivéssemos diante de uma grande fraude, com repercussões gigantescas na Operação Lava- Jato.
Seria um documento falso daqueles para entrar na História do país, como o Plano Cohen, o que, de cambulhada, salvaria o governo, o PT e o ex-presidente Lula, colocando em descrédito tudo o que foi apurado até agora na Operação Lava- Jato. Mas não, nenhum deles se dispôs a um desmentido cabal, o que leva a crer que estão às voltas com questões técnicas e burocráticas.
Em termos políticos, o depoimento é devastador para o ex-presidente Lula e para a presidente Dilma Rousseff, sem falar no PT, que se confirma uma organização criminosa nos detalhes mais nauseabundos. E reforça o pedido de impeachment no Congresso. Criminalmente, será preciso ainda reafirmar com provas o que o testemunho do senador Delcídio Amaral relata com detalhes dos que conhecem por dentro o funcionamento do governo.
No dia 10 de dezembro do ano passado publiquei uma nota no blog sob o título “Tudo a mando de Lula e Dilma”, onde relatava conversas de Maika, mulher de Delcídio, com pessoas próximas. Ela simplesmente dizia que se Delcídio não voltasse para casa antes do Natal, faria uma delação premiada contando tudo o que sabia, isto é, que tudo o que o senador fizera fora a mando de Lula e de Dilma.
Quem passou o Natal em casa foi o banqueiro André Esteves, e Delcídio, a partir dali, viu que estava sozinho no seu labirinto. Assim como constatou ontem, quando o que seria sua delação premiada foi divulgada. A reação dos governistas foi de desacreditá-lo, ou dizendo que ele não teria “credibilidade”, segundo o advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, ou seus colegas no Senado, que se apressaram a dizer que a delação o tornava um réu confesso e, portanto, o processo de cassação do mandato seria acelerado.
Dizer a esta altura que aquele que até a prisão era líder do governo no Senado não é uma pessoa séria desacredita quem o diz, pois somente um governo desacreditado teria como líder um político capaz de inventar tantas mentiras.
Tudo indica que os envolvidos nessa operação de delação premiada — Delcídio, Janot e Zavascki — não podem se pronunciar explicitamente por que a delação ainda precisa ser homologada. O ministro do Supremo Teori Zavascki está em uma situação delicada, pois se se recusar, por uma questão meramente técnica ou burocrática, a homologar a delação premiada de Delcídio, será acusado de tentar proteger a presidente Dilma e o ex- presidente Lula.
Ao mesmo tempo, ele precisa ter a segurança de que o senador cumpriu todas as normas para dar seu aval à delação, até mesmo que não foi obrigado a delatar. A questão de provar o que está dizendo é uma segunda etapa, na qual caberá ao Ministério Público e à Polícia Federal produzir as provas que embasem as acusações.
No momento, o relato do senador petista foi considerado crível pelos promotores, que já devem ter indícios dados pelo próprio Delcídio de que tem condições de provar o que falou — como a citação de que na sala em que conversou com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro no Palácio do Planalto havia câmeras de segurança.
Nessa conversa, que o ministro Navarro não desmentiu por enquanto, Delcídio teria levado ao ministro do STJ o pedido da presidente Dilma para que soltasse os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez.
O ex-presidente Lula entra, no relato do senador Delcídio Amaral, com o papel que sempre lhe coube desde o escândalo do mensalão, mas que até agora não havia sido possível provar: o de grande chefão de todo o esquema de corrupção petista.
Já existe agora um testemunho direto, a do próprio senador, preso numa operação de obstrução da Justiça que ele acusa Lula de ter concebido. Resta saber se Delcídio, que foi apanhado com a boca na botija numa gravação clandestina, tem na manga alguma prova de que tudo se passou como relatou aos procuradores.
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