Por Raymundo Costa – Valor Econômico
BRASÍLIA - O governo provisório de Michel Temer completa 30 dias no domingo, dia 12, parecendo três anos, nas palavras do próprio presidente interino. Nesse curto espaço de tempo, Temer foi levado a demitir dois ministros importantes e foi e voltou atrás em relação à extinção do Ministério da Cultura, o que lhe valeu a pecha de hesitante. Mas também aprovou duas medidas importantes que o Congresso negava à sua antecessora, a mudança da meta fiscal e o aumento da desvinculação das receitas da União. Tudo somado, o presidente interino avançou no Legislativo, um território hostil ao PT, mas ruma para fechar seu primeiro mês de governo ainda sob a desconfiança de que será capaz de vencer a instabilidade política que levou ao afastamento da presidente Dilma Rousseff.
Até o fantasma da "volta de Dilma" ronda os palácios de Brasília. Dilma tem recebido senadores que se dizem arrependidos de terem votado a favor de seu afastamento, e acredita neles. Em uma recente reunião da cúpula do PT, em São Paulo, o sentimento da maioria era o mesmo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a interlocutores acreditar numa reversão do quadro no Senado. Não é mero discurso do PT, portanto. Mas na cúpula dos partidos ontem aliados de Dilma e hoje perfilados com o Temer, há muito ceticismo. A mudança de voto é desmoralizante, mas o que pesa mesmo é a convicção generalizada de que uma eventual volta de Dilma vai piorar, e muito, a crise. O caos. Os senadores "indecisos", segundo dirigentes dos partidos, aproveitam o momento para surfar na onda do impeachment. Só.
As dificuldades do primeiro mês de Temer no Planalto, onde fica o gabinete de trabalho do presidente da República, têm um diagnóstico preciso no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente da República, onde costuma receber amigos, líderes e dirigentes partidários. Diz esse diagnóstico que Temer é vítima da precariedade da sua situação: ele entrou mas Dilma não saiu. Ainda precisa ser julgada pelo Senado para ser afastada definitivamente ou ser considerada inocente e voltar ao cargo. Sem uma definição, a comissão do impeachment no Senado é um fator de instabilidade que deve perdurar enquanto ela funcionar. O organograma inicialmente elaborado pelo relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) também não ajuda e prevê que o julgamento se estenderá, pelo menos, até a primeira semana de agosto. Discretamente, Temer articula para abreviar esse prazo, o que não é fácil, diante da resistência do PT e até de eventuais interferências do Supremo Tribunal Federal (STF). De qualquer forma, trabalha-se com o mês de julho para o encerramento do processo, entre líderes governistas.
O outro fator de instabilidade, não menos importante, na realidade, talvez o principal, é a Operação da Lava-Jato, a investigação do mega-esquema de pagamento de propina na Petrobras, sobre a qual o novo governo - assim como o antigo - não tem controle. Temer é sincero quando diz que não tem como interferir na Lava-Jato. Até agora, ninguém teve. A diferença de abordagem entre o governo que saiu e o que entrou é que Dilma manteve, protegidos sob o manto do foro privilegiado, os ministros em maior ou menor grau envolvidos na Lava-Jato, enquanto Temer, gostando ou não, já teve de demitir dois e pode ser forçado a dar o bilhete azul a outros mais, talvez antes mesmo de assumir a Presidência em caráter definitivo. O presidente interino sabe disso, como, aliás, sabia desde antes de tomar posse, em 12 de janeiro, depois que o Senado, na madrugada, decidiu julgar a presidente acusada de crime de responsabilidade.
Seja porque acredita num governo de parceria entre o Executivo e o Legislativo, mais provavelmente porque precisa de apoio para afastar definitivamente a presidente da República e - na sequência - assegurar uma maioria para aprovar reformas, Temer montou um governo como se fosse um primeiro-ministro num regime semiparlamentarista. Uma tese que ele costuma defender em palestras. Na crueza das negociações, o presidente interino teve de abrigar os partidos que votaram a favor do impeachment, mas também de acomodar os diversos interesses de seu próprio partido. Foi assim que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi parar no Ministério do Planejamento e o advogado Fabiano Silveira, no Ministério da Transparência.
Jucá era o nome que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pretendia apresentar contra Temer na disputa pelo comando do PMDB, em março - uma etapa importante na caminhada do presidente interino rumo ao Palácio do Planalto. O senador por Roraima, no entanto, compôs com Temer e ajudou a isolar Renan. O presidente em exercício não teria como articular com os outros partidos o impeachment de Dilma, se não conseguisse unir o seu próprio partido. Derrotado, também Renan compôs com Temer para o comando do PMDB, mas sempre com um pé atrás - os dois divergem desde o início deste século, porque Temer sentiu-se traído por Renan, em uma disputa pela presidência da Câmara dos Deputados.
Na presidência do Senado, o "aliado" Renan poderia ajudar, mas também atrapalhar muito no julgamento de Dilma. Não por acaso ele esticou o quanto foi possível a votação da admissibilidade do processo de impeachment no Senado - o que no caso de Fernando Collor, em 1992, levou menos de 24 horas. Na partilha dos cargos, Renan ficou com nada menos do que o Ministério da Transparência, para o qual indicou o advogado Fabiano. Uma encrenca anunciada: o presidente do Senado responde a 12 ações diferentes no STF, entre as quais nove inquéritos com origem na Operação Lava-Jato. Não é a toa que Temer oscilou na hora de demitir tanto Jucá quanto Fabiano, quando foram divulgadas as gravações feitas pelo ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, implicando ambos em tramoias para obstruir as investigações. O desempenho de Fabiano nos áudios de Machado até não seria considerado muito comprometedor se ele ocupasse outro ministério qual, mas nunca o da Transparência.
No Palácio do Jaburu, no entanto, consideram-se injustas as críticas de que Temer é um presidente vacilante, pusilânime, como chegou a ser dito até por adversários do governo da presidente afastada. Na prática, Temer levou apenas um dia para afastar Jucá e outro para despachar o ministro da Transparência, já substituído, aliás, pelo ex-ministro do TSE Torquato Jardim. Isso sem ampliar a crise política: Jucá estava na primeira fila da posse da nova presidente do BNDES, Maria Silvia, enquanto Renan Calheiros, desgastado pelos inquéritos, processos e também pelas gravações de Machado, deu seu aval para o substituto de seu protegido no Ministério da Transparência. Jucá ficou apenas dez dias no governo e, de certa forma, estabeleceu a jurisprudência para os ministros do governo Temer envolvidos ou acusados de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato.
Segundo assíduos frequentadores das rodas do Palácio do Jaburu, a Operação Lava-Jato deve ser o "padrão ético" do governo do presidente interino, nem que isso custe a cabeça de mais um ou dois ministros. Até agora, as demissões preservaram o Palácio do Planalto, assim entendido também o círculo de amigos de Temer. Mas pelo menos dois deles parecem perigosamente próximos da Lava-Jato: Henrique Eduardo Alves, ministro do Turismo e ex-presidente da Câmara, que responde já a um inquérito. E Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), amigo e integrante do grupo palaciano, citado aqui e ali. Jucá, o primeiro a ser abatido, responde a um inquérito que investiga seu envolvimento na Lava-Jato.
Incomoda Temer e alguns de seus auxiliares mais próximos ficar a reboque de denúncias publicadas na imprensa. Na recente demissão do ministro da Transparência, Fabiano Silveira, Geddel Vieira Lima chegou a ponderar que as decisões do governo não poderiam ser ditadas pelo noticiário dos jornais. No governo da presidente afastada Dilma Rousseff, o encarregado das privatizações do governo, Moreira Franco, assim como Geddel integrante do grupo mais próximo de Temer, também se queixava de decisões tomadas no calor do noticiário. Mas tanto um quanto o outro, neste caso, rapidamente reconheceram que a posição de Fabiano era insustentável. O ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), outro com lugar cativo à mesa do Palácio do Jaburu, fechou com a mesma opinião.
Uma pesquisa de opinião que circulou entre assessores próximos de Temer diz que 85% dos brasileiros queriam a demissão do senador Romero Jucá do Ministério do Planejamento. Outra, indicava que a maioria da população apoiava a extinção do Ministério da Cultura, decisão condenada com alarido por artistas e intelectuais. Temer atendeu a opinião pública no primeiro caso, mas preferiu ficar com os formadores de opinião no segundo. Em seu primeiro ano de governo, a presidente afastada Dilma Rousseff ganhou popularidade fácil, ao mandar para a rua sete ministros, num processo que ficou conhecido como "faxina ética". Temer já despachou para casa dois ministros, por motivos parecidos, mas nem por isso já pode falar em aprovação popular. Trata-se de um governo que mal começou, cuja legitimidade é permanentemente contestada e que ainda precisar provar que é capaz de tirar o país da crise. A incerteza política e as revelações da Operação Lava-Jato continuam à espreita.
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