• Tucano defende que Governo interino, apoiado pelo PSDB, "junte forças" pela reforma política
Javier Martín – El País, 5/6/2016
LISBOA - Fernando Henrique Cardoso (Rio de Janeiro, 1931) foi presidente do Brasil de 1995 a 2002 pelo PSDB, que ele ajudou a fundar. Derrotou em duas ocasiões o líder do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Primeiramente, como ministro da Fazenda, e depois, como presidente, Cardoso reduziu uma inflação galopante e estabilizou a economia do país. Aposentado há anos, é consultor em várias universidades e fundações, como a Champalimaud, de Lisboa, onde conversou com o EL PAÍS sobre a delicada situação política e econômica do Brasil.
Pergunta. A destituição da presidente Dilma Rousseff foi um golpe de estado político?
Resposta. Não foi nenhum golpe de estado. O impeachment seguiu rigorosamente a Constituição. O impeachment brasileiro não se refere à realização de um delito, à responsabilidade penal; está relacionado à responsabilidade política. Está claro na Constituição que autorizar gastos pelo Executivo sem a aprovação da Câmara é ir contra a Constituição. E isso ocorreu reiteradamente.
P. Não há mais nada por trás?
R. O impeachment representa, ao mesmo tempo, um processo político em um país com 11 milhões de desempregados e que vive uma crise moral por um processo sistemático e organizado pelo aparelho do Estado para beneficiar partidos que apoiem o poder. Por tudo isso, Dilma foi perdendo popularidade desde sua reeleição, em 2014. Mas perder popularidade não é motivo para impeachment; perder a credibilidade, sim, porque Dilma utilizou métodos para ocultar a verdadeira situação econômica do Brasil.
P. Inicialmente, o senhor era contra a destituição de Dilma.
R. É verdade. Também ocorreu o mesmo com o impeachment do presidente Collor, em 1992. Sou contra até que se esclareça. O impeachment é consequência de atos, não da iniciativa de um partido. O povo apoiou em peso o impeachment. É sempre um processo traumático, mas não podemos esquecer que o sucessor de Dilma é Temer, seu companheiro na candidatura presidencial. Ou seja, que obteve democraticamente os mesmos votos que ela: 55 milhões. Do ponto de vista constitucional, não há o que discutir.
P. Não seria mais natural resolver essa situação com novas eleições?
R. Sim, mas a Constituição não permite. Exceto se o Tribunal Eleitoral anula as eleições por abuso de poder econômico – que foi o que meu partido solicitou -, mas que é um processo lento. Ou se a presidente renunciar. Eu pedi a Dilma que fizesse esse ato de grandeza, mas não foi o que ocorreu. Acredito que, sobretudo, por pressões de seu partido.
P. Em termos midiáticos, será que Dilma não foi condenada sem ter sido julgada?
R. Ninguém disse que Dilma não é inocente. Dilma não é uma criminosa, é uma irresponsável com as contas públicas. No caso do presidente Collor em 1992, o impeachment foi aprovado porque ele tinha recebido presentes de valor. Ele foi condenado por crime de corrupção, mas em seguida absolvido com o voto de quem antes tinha votado a favor do impeachment, porque ele aceitou presentes, mas não ficou provado que ele deu contrapartidas. Não foi provado o crime. Ele foi retirado da Presidência, mas não cometeu nenhum crime.
P. A destituição de Dilma resolve a crise do Brasil?
R. Há uma crise maior que a destituição de um presidente. O sistema político está muito corrompido. Os mais de 20 partidos representados no Congresso, seu financiamento, o sistema de votos... Hoje os partidos são grupos de interesses.
P. Dilma deixou o país dividido?
R. O país não está dividido. Está 80 a 20. 80% não querem a Presidência de Dilma, o que não quer dizer que eles queiram o presidente Temer [Não há pesquisas de opinião recentes. Na mais recente do Datafolha, publicada em 7 de abril, 61% eram a favor do impeachment de Dilma e 60% o de Temer].
P. A corrupção também não acabou. Parece que metade do Congresso está envolvido na rede.
R. Afeta principalmente três partidos: o PT, com dois ex-presidentes seus presos e Lula acusado; o PMDB, com o presidente da Câmara em uma situação insustentável; e o PP. Acredita-se que as denúncias firmes podem alcançar 50 deputados, mas são o Congresso tem 500 deputados. Não é preciso exagerar.
P. O presidente de seu partido, Aécio Neves, parece estar envolvido.
R. Não há nada de concreto. Ele recebeu uma citação, e veremos quando for verificada.
P. O senhor não teme que a trama chegue a seu partido?
R. Não, por uma questão muito simples: meu partido não está no poder há 14 anos e sem poder não há favores para prestar. Infelizmente, ao governar com Lula e Dilma, o Partido dos Trabalhadores (PT) perdeu todo o seu espírito original e se dedicou a organizar uma rede de corrupção institucionalizada. Nunca o Brasil havia tido uma corrupção sistematizada.
P. Ao problema da corrupção se soma uma gravíssima crise econômica.
R. Agora, sim. Lula e Dilma saíram bem da crise internacional de 2008, mas derraparam depois com a Nova Matriz Econômica, fomentando o consumo sem investimento. Foi um erro de condução da política econômica sob uma visão ideológica. Os orçamentos do Estado têm que ser equilibrados. É uma questão de competência, não de ideologia. Dois mais dois são quatro, seja você de direita ou de esquerda. Em dois anos, o PIB caiu 8 pontos.
P. E Temer é a pessoa para tirar o país do atoleiro político e econômico?
R. Ele não pode fazer tudo isso. Temer é o homem do interregno. Tem habilidade para gerenciar o Congresso, mas agora tem que falar com o país, e não com os políticos. Tem que dar sinais e juntar todas as forças para encarar uma grande reforma política, que é o principal problema do país.
P. Em que consistiria?
R. Não é possível governar com mais de 20 partidos no Congresso. É preciso limitar a representação política no Congresso, controlar os gastos eleitorais, aproximar o eleitor do eleito. Hoje o eleitor não é o cidadão, é o intermediário: a igreja, a prefeitura, o clube de futebol.
P. Em meio a toda essa agitação, o senhor nunca escutou o ruído dos sabres, dos militares?
R. O Brasil não tem golpismo. Tem atraso, conservadorismo, no comportamento político. Se o caso de Dilma tivesse ocorrido há 20 anos, todos nós saberíamos os nomes dos generais. Hoje conhecemos os nomes dos juízes. É uma diferença essencial. As instituições brasileiras são fortes.
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