- Valor Econômico
• Freixo não tenta sair de suas origens, Crivella se esforça
O segundo turno foi criado no ordenamento eleitoral brasileiro para barrar o caminho dos radicais e favorecer o meio termo, o centro, a mudança conservadora, expressão que está longe de ser contraditória.
Nasceu na Constituição de 1988 para esconjurar Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial do ano seguinte. Extremos como Jânio Quadros em 1985 e Luiza Erundina em 1988 não teriam sido eleitos em São Paulo se o segundo turno já existisse à época.
Marcelo Freixo tem todo o figurino para perder este segundo turno. Está pronto para a derrota e o demonstrou em seu discurso na Lapa, assim que se confirmou a sua passagem para a rodada decisiva da eleição no Rio contra o senador Marcelo Crivella.
Freixo não fez alianças e teve este ano uma votação proporcionalmente menor do que a que obteve ao disputar a eleição em 2012, ocasião em que Eduardo Paes se elegeu no primeiro turno. A maior parte do eleitorado carioca deu um voto pela direita, pelos conservadores. Para se chegar a esta certeza, basta somar a votação de alguns candidatos na cidade. Esta não é uma afirmação desta coluna, parte de uma das principais aliadas de Freixo no segundo turno, a deputada Jandira Feghali (PCdoB), dona de 3,34% dos votos no domingo.
Jandira deixou claro, em vídeo que circula na internet, que não houve uma onda vermelha e alternativa no Rio a impulsionar Freixo, mas sim uma fragmentação do voto conservador entre diversos candidatos. No segundo turno, qual é a tendência natural do voto dos eleitores de Pedro Paulo (PMDB), Flávio Bolsonaro (PSC), Índio da Costa (PSD), Carlos Osório (PSDB) e Carmen Migueles (Novo)?
Talvez a certeza de que Crivella será eleito tenha levado o PT e o PCdoB no Rio a aderir tão imediatamente e incondicionalmente à candidatura de Freixo no Rio. Não se trata de uma armadilha contra o candidato do Psol, trata-se de uma lógica de trincheira: estar agora junto com Freixo credita os apoiadores do chamado "campo progressista" a cobrar do Psol em 2018 uma participação do partido em uma frente de esquerda.
Freixo faz esse jogo. Parece se preocupar com eleições que estão mais adiante, não com a atual. Ao discursar na noite de domingo, atacou mais o terceiro colocado, Pedro Paulo, do que o primeiro, Crivella. "Acabamos de sair de um golpe e agora a gente derrotou o partido golpista", afirmou, do alto dos seus 18% de votos válidos e como se os 28% obtidos por Crivella não existissem.
O candidato que não fez alianças no primeiro turno, escolhendo para vice uma militante na área de direitos humanos, tal como ele mesmo é, prometeu que não as fará. Disse que o sentido maior da sua candidatura não é o de promover a troca de um nome por outro na prefeitura, reafirmou seu compromisso com as bandeiras tradicionais da sigla e não fez um só aceno aos 49% dos eleitores que não estiveram com Crivella e que escolheram um dos candidatos de siglas que apoiaram o impeachment.
Mais estranho ainda foram os movimentos de Freixo nos dias imediatamente seguintes aos do primeiro turno. Sua estrutura de campanha entrou em uma negociação com o adversário para reduzir o tempo de televisão e rádio no segundo turno, que é igualitário entre os candidatos. Caso a bizarra proposta prosperasse, evidentemente beneficiaria o candidato que está na frente nas pesquisas.
O que Freixo não aceitou fazer foi levar a lógica da trincheira a um nível sem limite. O candidato recusou a presença de Lula. "Não faz sentido as grandes figuras nacionais que levariam o tema da cidade para o tema nacional estarem presentes. Não é contra A, B ou C", afirmou, segundo relato do repórter Cristian Klein.
A trajetória de Freixo apresenta muitos pontos que poderiam ser valorizados por um eleitor fora do campo ideológico da esquerda. Trata-se de um político sem patrimônio, familiar de vítima do crime organizado no Rio de Janeiro, que foi enfrentado no corajoso trabalho de uma CPI do qual foi protagonista. Sua vida permitiria a construção de uma narrativa que servisse de vacina ao bombardeio que começa a sofrer nas redes sociais, muito calcado em um tripé: o candidato é comunista, defensor do ativismo gay e "defensor de bandidos". Atenta, por tanto, contra Deus, a família, a propriedade e a própria segurança pública.
Igualmente vítima de campanha nas redes, no caso acusado de racismo, Crivella há anos tenta sair do nicho evangélico. Abraçar-se a Garotinho mostra que suas dificuldades de aliança também são concretas, mas o esforço do sobrinho de Edir Macedo é real: ao passar para o segundo turno, Crivella descartou apenas a negociação com a cúpula do PMDB carioca. Até aí, nada surpreendente: o PMDB foi o alvo preferencial de todos os candidatos na campanha.
O senador contava com mais eleitores que o rejeitam do que votam nele, de acordo com a última pesquisa Datafolha divulgada antes do primeiro turno. O percentual de eleitores de Crivella que admitiam mudar o voto era superior ao dos que optavam por Freixo. E na reta final de setembro o senador havia entrado em rota descendente nas pesquisas tanto do Datafolha quanto do Ibope. Era todo um conjunto de circunstâncias que mostrava um quadro de debilidade do primeiro colocado no primeiro turno no Rio de Janeiro.
A pesquisa divulgada ontem pelo Datafolha, em que Crivella abre 17 pontos percentuais em relação a Freixo, mostra que o candidato do PRB começou a se recuperar antes mesmo da retomada do horário eleitoral e sem que se complete uma semana do turno de domingo.
É um levantamento que indica que a rejeição a Crivella, alta, não está crescendo e que cabe ao senador administrar a vantagem: ampliar a escalada de ataques para manter Freixo acuado em seu espaço de origem, como Lula estava na eleição presidencial de 1989. Ali também havia um candidato que liderou a campanha inteira, caiu na reta final nas pesquisas e enfrentou no segundo turno uma esquerda em estado bruto.
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