O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que é possível prender um réu condenado em segunda instância, manifestado na quarta-feira passada, enfim desmonta o sistema em que se escoravam os poderosos – em especial políticos e empresários corruptos – para escapar da Justiça. A gritaria dos encalacrados na Operação Lava Jato contra essa decisão, especialmente daqueles que contavam com a possibilidade de interpor infinitos recursos em instâncias superiores para evitar uma desagradável temporada na cadeia, é suficiente para atestar seu acerto.
Por 6 votos a 5, os ministros do STF concluíram que a execução provisória da pena não fere o princípio da presunção da inocência previsto no inciso LVII do Artigo 5.º da Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Para a maioria dos magistrados do Supremo, a condenação em duas instâncias, sendo que a segunda provém de decisão colegiada, já é uma forma de confirmação da responsabilidade do réu, não cabendo aí falar em presunção de inocência. A segunda instância funciona, ela mesma, como um julgamento de apelação, no qual se conclui o exame dos fatos e das provas. “É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição”, disse o ministro Teori Zavascki.
Se não fosse assim, isto é, se a presunção de inocência prevalecesse sobre nada menos que duas decisões judiciais, seria forçoso concluir que aqueles tribunais não têm competência para julgar, o que obviamente é um despautério, que ofende não apenas os juízes que tomaram as decisões, mas o próprio sistema judicial. Como lembrou o ministro Edson Fachin em seu voto, a Constituição não se presta a dar ao inconformado réu uma terceira ou uma quarta chance de ser julgado por um crime pelo qual ele já foi duas vezes condenado.
Ademais, é sempre bom lembrar que a possibilidade de apresentar recursos até as instâncias superiores foi preservada. A hipótese de suspensão da condenação por meio de habeas corpus continua a servir como forma de questionar sentenças que contrariem a lei, conforme destacou o ministro Luiz Fux. Mas a postergação indefinida do trânsito em julgado, artimanha à qual recorriam advogados muito bem remunerados por importantes clientes, já não é mais uma estratégia viável para evitar a cadeia.
“A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do País”, disse o ministro Teori Zavascki. Foi esse, de um modo geral, o tom dos que, como Zavascki, votaram a favor da possibilidade de prisão do réu já na segunda instância. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, disse que é preciso haver equilíbrio entre a necessidade de preservar a confiabilidade do Judiciário e o princípio da presunção da inocência – que, sendo princípio, mas não regra, deve necessariamente ser ponderado com outros princípios constitucionais, como, por exemplo, a efetividade do sistema penal, como salientou o ministro Roberto Barroso.
Considerando-se que a decisão da quarta-feira passada deverá ter efeito vinculante, isto é, servirá como orientação para os juízes de todo o País, é compreensível a tensão que causou entre aqueles que têm contas a acertar na Lava Jato. Na fila dos que podem ser afetados pelo entendimento do Supremo estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado cassado Eduardo Cunha, que certamente contavam com a manutenção do sistema que favorecia a impunidade.
Portanto, além de eliminar do sistema judicial a possibilidade de adiar indefinidamente a execução penal – exotismo que não se verifica em nenhum outro país civilizado –, a decisão do STF certamente terá efeitos políticos nada desprezíveis. Mais do que isso, porém, dá aos brasileiros a reconfortante sensação de que, afinal, ninguém neste País, nem mesmo aqueles que pretendem ser julgados apenas pela história, pode se considerar acima da lei.
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