- O Globo
Melhorar ambiente de negócios tem que ser tarefa do dia a dia. O pacote de estímulo econômico tem medidas positivas. Foi anunciado de forma confusa, mas tem grandes concessões para as empresas endividadas e com prejuízo. No FGTS, a possibilidade de saque para pagar dívida sumiu por pressão do lobby da indústria da construção. Já a ideia de distribuir o lucro do Fundo com os trabalhadores é excelente.
As medidas não conseguem sozinhas tirar a economia da recessão. A busca de mudanças que melhorem o ambiente de negócios não pode ser tema de um dia só. Por isso é animador que o governo tenha dito que este foi o primeiro episódio de uma série que levará à redução do custo de fazer negócios no país.
O Brasil tem uma lista de tarefas tão grande que apenas na reunião de ontem de manhã no Planalto foram analisadas 36 medidas. Uma delas sumiu da mesa por força de um lobby. Os representantes da indústria da construção imobiliária acham que devolver aos donos das contas o acesso a um pequeno pedaço dos saldos do FGTS pode ser prejudicial para o setor. O governo tinha pensado em permitir que cada cotista do Fundo tirasse mil reais da sua conta para pagar dívida bancária. Os empresários do setor argumentaram que isso poderia descapitalizar o Fundo porque reduziria em R$ 30 bilhões o patrimônio de R$ 100 bi do FGTS.
A decisão de distribuir o lucro líquido do FGTS com os cotistas é excelente. O melhor teria sido elevar a remuneração do Fundo de Garantia, mas essa decisão sempre foi temida porque há milhões de operações de crédito imobiliário já concedidas com lastro no Fundo e que poderia haver desequilíbrio entre ativos e passivos. Com a decisão de ontem, não se cria esse risco, e o que é melhor: eleva-se o ganho do trabalhador caso o Fundo tenha lucro.
O portal do comércio exterior, anunciado como novidade, já estava criado, precisava apenas ficar operacional, mas José Augusto de Castro, da AEB, avalia como positivas medidas como a criação do “certificado de origem digital”, que reduz a burocracia, porque hoje ele é emitido por vários órgãos. É fundamental esse documento para se exportar para o Mercosul.
O programa de regularização tributária é o outro nome do Refis, já que empresas com dívidas junto ao fisco terão novas condições de pagamento. O governo garante que não está subsidiando as empresas e que isso seria injusto com quem pagou impostos em dia, mas qualquer alongamento traz uma vantagem embutida. A possibilidade de que as empresas com prejuízo fiscal descontem nos futuros lucros o que perderam é um enorme estímulo. O governo aumentará a arrecadação no curto prazo com o pagamento do valor da entrada, mas perderá arrecadação a longo prazo. Neste programa, foi estendido à empresa com lucro presumido e à pessoa física o mesmo direito de parcelar suas dívidas.
O ministro Henrique Meirelles se enrolou na hora de explicar como ele pretende reduzir o spread cobrado pelos bancos e administradores de cartão de crédito. Defendeu a tese de que se houver melhorias no interior da cadeia do cartão de crédito, com redução de prazo e custo, os juros serão menores. O problema é que as taxas são tão estratosféricas — 475% ao ano no crédito rotativo do cartão — que a queda tem que ser muito grande para fazer alguma diferença. O economista Nicolas Tingas acha muito promissoras as tentativas de redução do spread com o cadastro positivo ou o estímulo à competição nos meios de pagamentos. O cliente poderá pagar com cartão, à vista, débito, boleto. Cada uma dessas formas tem um custo diferente. Então o primeiro passo é aumentar a transparência. Estimular o consumidor a negociar mais na hora da compra. Mas se vai funcionar depende dos detalhes da MP.
Melhorar o ambiente de negócios no Brasil é tarefa para se enfrentar diariamente e não em um pacote. A economia é tão cheia de regras irracionais, o governo cria tanta burocracia, que há uma infinidade de decisões a serem tomadas para aliviar o custo de investir e criar emprego no Brasil. O caminho de limpar o terreno é este mesmo, mas demorou a acontecer. O presidente Temer disse que o governo tem dois meses e meio. Na verdade, há sete meses a ex-presidente Dilma foi afastada. Nada se faz por um passe de mágica na economia, mas há medidas anunciadas ontem que nem precisariam estar em um pacote. Deveria ser trabalho do dia a dia de governar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário