- Valor Econômico
• STF vive momento de esplendor monocrático
A decisão do ministro Luiz Fux está longe de ser raio em céu azul. O ministro que chegou ao Supremo com a fama de matar no peito em outras ocasiões já interferiu, por meio de liminares, no processo legislativo. Em dezembro de 2012, igualmente de forma monocrática, Fux determinou qual seria a ordem que o Congresso Nacional deveria seguir para votar os vetos presidenciais. A liminar foi derrubada três meses depois, em votação apertada, de 6 a 4.
Em 2014, Fux atendeu pedido das entidades corporativas de magistrados e determinou o pagamento de auxílio-moradia aos juízes federais. A liminar já completou dois anos sem julgamento em plenário.
Fux foi criticado ontem, de forma ácida, pelo colega Gilmar Mendes, que em março, também em decisão monocrática, suspendeu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Casa Civil, episódio que acelerou a agonia do governo Dilma. A decisão perdeu o objeto, mas o conjunto dos ministros do Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu se um presidente tem limites para nomear seus ministros. Na semana passada, o protagonista foi Marco Aurélio, ao tentar tirar Renan do cargo com uma canetada.
Pedido de vistas, no Judiciário brasileiro, virou poder de veto mitigado. Gilmar o exerceu em relação ao financiamento eleitoral e Toffoli paralisou a decisão sobre a linha sucessória presidencial. "Um pedido de vistas demora um ano em média para ser devolvido", disse o professor de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, Ivar Hartmann.
Segundo Hartmann, vive-se no momento um esvaziamento da importância do plenário do Supremo e o aumento do protagonismo individual. O esplendor monocrático não adveio de nenhuma mudança institucional, de acordo com o professor, mas das características dos ministros de hoje. "Está em alta um ativismo judicial que ganhou espaço em razão de outro conflito institucional, que opôs no ano passado o Executivo e o Legislativo e que culminou no impeachment de Dilma", diz.
Fica talvez como síntese deste momento histórico a frase do ministro Luiz Roberto Barroso, dita em evento do Instituto Fernando Henrique Cardoso em novembro do ano passado, que merece ser transcrita: "O Supremo desempenha em certas circunstâncias um papel representativo. E, com muita parcimônia, em situações excepcionalíssimas, as cortes constitucionais de todo mundo devem desempenhar um papel de vanguarda iluminista, que é o de fazer empurrar a história em determinadas situações civilizatórias vitais quando o processo político majoritária não tenha sido capaz de fazê-lo". Em meio à desordem desencadeada pela Lava-Jato, o Judiciário parece entender que chegou a hora de tomar a dianteira.
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Nem sempre o traço grosso é o exato, escreveu Machado de Assis ao criticar a literatura que carregava nas tintas para retratar a realidade. O escritor alertava para o risco do retrato se desviar para a caricatura e demarcava uma característica muito brasileira, a da ousadia ao colocar as coisas no papel.
A emenda que limita gastos públicos, promulgada ontem, está em linha com uma exacerbação draconiana cujo impacto fomenta a busca pela finta, o drible, a brecha em que vai se desmonorando a estranha catedral. Já cresce, mesmo em visões fiscalistas da economia, a avaliação que a norma terá que ser flexibilizada em um prazo mais curto do que o estabelecido no texto ainda com a tinta fresca.
Em matéria publicada no Valor em outubro, a repórter Tainara Machado mostrou o que existe em termos mundiais de experiência análoga a que será encetada pelo Brasil. Não estamos sozinhos, há 21 países com algum limite estabelecido para a evolução dos gastos públicos, mas em todo planeta apenas no Brasil se estabeleceu um congelamento dos gastos em termos reais por um prazo de dez anos, com a possibilidade de uma prorrogação por mais dez anos. Nenhum caso supera o Brasil em rigor.
A experiência compilada pelo FMI em dois estudos, mostra que a criação de normas restritivas é crescente. Até o início dos anos 90, apenas cinco países conheciam limites de gastos: Japão, Alemanha Ocidental, Israel, Luxemburgo e Indonésia. Em 2012, eram 76 nações. Mas o mais usual é colocar a trava em relação ao endividamento público, fixando limite na relação dívida/PIB, o qual cruzado levaria à suspensão de gastos.
Outra variante usada à larga é a de criar uma barreira ao déficit orçamentário. Entre os que limitam gastos públicos, a opção preferencial é por fixar um percentual do que a despesa deve representar em relação ao PIB. Nos raríssimos casos em que o limite é em números absolutos, corrigido pela inflação, o prazo de vigência é muito curto.
Na Finlândia e Holanda, limites foram criados para cada ciclo de quatro anos. Na Suécia o ciclo é de três anos, na Bélgica e no Canadá houve limites por cinco anos e assim por diante. A mortalidade da medida é alta. Dois em cada três países abandonaram a restrição. Em alguns casos os limites foram retirados por descumprimento permanente, como foi o caso da Argentina, Kosovo e da Islândia.
O país com o maior caso de corrupção no mundo é também, a partir de hoje, o de maior dureza orçamentária. Não é de todo absurdo pensar que há relação de causa e efeito. Havia a necessidade de sinalizar, para expectadores conterrâneos e externos, que se faz uma aposta alta em blindar a condução econômica das tempestades políticas. A ex-presidente Dilma também deu a sua contribuição ao patrocinar desmandos na contabilidade do governo.
Como os últimos acontecimentos deixaram claro que o sistema político como um todo e o governo de Michel Temer em particular continua acossado pela Operação Lava-Jato, parte da função pretendida com a demonstração de testosterona perdeu-se.
Somente dez parlamentares participaram de uma sessão solene de promulgação sem a presença do presidente. A emenda estreia no ordenamento institucional pela porta dos fundos. Deixou de ser um trunfo para Temer, eis que os agentes econômicos já estão a exigir novas vitórias no Legislativo; e sua mudança pode se tornar um desafio para o próximo governo.
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