A Violência no Rio vem recrudescendo de forma acelerada, derrubando os animadores números obtidos quando do funcionamento pleno das UPPs, hoje um projeto em desconstrução. A violência hoje se apresenta de forma sistêmica. Não se trata mais de “privilégio” de regiões e bairros pobres da cidade; agora é fenômeno cotidiano em todas as regiões da Cidade.
Ocorrências de diversos e variados crimes podem acontecer tanto em bairros como no Leblon quanto na Pavuna; as características são semelhantes, embora sejam ainda relativamente mais intensas junto aos subúrbios da Zona Norte e Oeste.
O morador da Zona Sul do Rio já vem convivendo com o crescente aumento da violência nas ruas e espaços públicos, locais antes considerados seguros e bem protegidos. O tráfico de drogas estende hoje seus domínios para além dos tradicionais espaços já ocupados das favelas; atualmente dominam bairros inteiros.
Arrastões nas praias, roubos e furtos a transeuntes e veículos, interferências e controles na circulação de transportes alternativos realizados através de vans e mototaxistas, distribuições ilegais de Gás de cozinha e de garrafões d'água, instalações de gato net, cobranças de taxas a comerciantes, o poder de interferir em conflitos pessoais dos moradores e em, consequentemente, realizar “julgamentos” que podem levar a violência para os “alegadamente” culpados (segundo critérios de “justiça” criados pelo poder paralelo), a disseminação de barricadas que interceptam ruas, dificultando o direito de ir e vir da população: tudo isso são, hoje, formas comuns de domínio territorial pelo poder paralelo.
Em alguns bairros esse processo tem contribuído para acentuar o declínio e o abandono dos espaços; nesses lugares os correios já não fazem entregas, as empresas de distribuição de energia e água têm dificuldades de prestação de serviços públicos e os furtos de cargas e de veículos ocorrem quase que diariamente.
A linguagem e a cultura do tráfico vão se impondo gradativamente, fazendo pactos, recrutando jovens e aliados através do medo e do silêncio, estabelecendo ordens e prioridades ilícitas. Esse fenômeno gera insegurança psicológica e física nos moradores, o que contribui para uma sensação de impotência, provocando a retirada estratégica ou fuga destes por não se renderem a essas pressões. Essa saída pode se dar de forma voluntária ou por expulsão e ameaças de morte.
Outro segmento importante do crime no Rio são as milícias, com forte presença na região da zona oeste, onde dividem o poder com as diversas facções do tráfico, usando os mesmos modos e prática (modi operandi) de ocupação do território através da intimidação e da força. Perpetuam-se a exploração dos comércios locais, dos transportes alternativos e de outros serviços. Em alguns lugares as milícias fazem pactos de convivência com o tráfico de drogas.
Nesses locais de pactuação entre milícias e tráfico de drogas, os códigos de posturas públicos são ignorados. Assim como nas favelas, são visíveis os aglomerados de pequenos ambulantes “autorizados” e suas barracas, ocupando os diversos e variados espaços, de acordo com as suas necessidades, sendo que muitos de seus produtos são ilegais e oriundos de possíveis furtos e assaltos.
O forte índice de desemprego tende a ampliar essa prática, fato já comprovadamente visível nos trens da Supervia, do metrô e do BRT, onde diversos “vendedores” circulam diariamente, oferecendo as mais variadas mercadorias, além de solicitarem ajuda financeira e realizarem pregações religiosas.
É evidente que esse quadro é apenas algo pontual, diante das inúmeras tragédias que o estado de violência provoca e se reproduz, de forma crônica, há décadas, como resultado do abandono do poder público às populações pobres da Cidade. Crise urbana, social, política e econômica que nunca foi encarada de forma coletiva, que produziu e reproduz milhares de mortos e incapacitados. Uma guerra real, perdida e estúpida que vem transformado o nosso Rio num lugar triste e perigoso.
Mineirinho e Cara de Cavalo, dois bandidos cariocas que se tornaram famosos de alguma maneira na década de 60, tinham medo da polícia. Portavam no máximo um revólver 38 e basicamente traficavam maconha, realizavam roubos e furtos e viviam escondidos nos morros.
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Rosemberg Pinheiro, Diretor Adjunto Administrativo - Faculdade de Medicina/UFRJ
Mestre em Planejamento e Gestão IESC/UFRJ. Especialista em Saúde Pública ENSP/FIOCRUZ
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