- O Globo
Não é o fim da história. A decisão da Alerj de soltar Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi era esperada. Foi com requintes: a Comissão de Constituição e Justiça votou em segredo, a Assembleia teve que afastar a população e se trancar em plenário com galerias vazias para votar. Mas Picciani já não é mais o todo poderoso que era há uma semana e continuará enfrentando as investigações.
Aluta contra a impunidade é longa, tem várias estações, e houve um retrocesso. O resultado era previsível, mas mesmo assim, convenhamos, foi difícil de engolir, pelos anos que se espera que algum poder detenha Picciani, e pela dimensão da tragédia econômica e política do Rio. Ontem foi o dia da impunidade, mas a partir de agora ficará cada vez mais difícil para os que estão envolvidos na corrupção no estado, porque acumulam-se evidências, indícios, denúncias, delações revelando o esquema. Já se sabe que as empresas de ônibus pagaram propina por décadas ao grupo do PMDB, que cervejarias lavaram dinheiro de propina, que os bois da família Picciani serviram sempre como lavanderia particular, que as propinas em contratos eram a regra. Ficaram conhecidos os caminhos dos desvios de dinheiro público no Rio.
O que houve ontem, a libertação do trio Picciani-Melo-Albertassi, era sabido por várias razões. Uma delas, óbvia, é que muitos deputados estaduais se sentem ameaçados e preferem cercar o líder de proteção, achando que assim compram um seguro para si mesmos. Essa blindagem teve o apoio majoritário do grupo no poder, mas também recebeu dois votos da oposição: um do PT, o de André Ceciliano, e outro do PSOL, de Paulo Ramos.
A mais importante razão para o que houve ontem foi o precedente aberto pelo Supremo Tribunal Federal no caso do senador Aécio Neves. Naquele momento, o STF deu a senha, ao decidir que o Legislativo tem que ser ouvido em qualquer medida cautelar contra um parlamentar. O STF, quando tomou aquela decisão, fortaleceu os políticos que tentam escapar ilesos dos crimes dos quais estão sendo acusados. O supremo poder passou a ser cada casa legislativa. No Rio, cinco desembargadores do Tribunal Regional Federal votaram pela prisão, e 39 deputados mandaram soltar. Esse mesmo enredo vai continuar se repetindo por outros estados do Brasil.
O STF entendeu que o mandato é soberano porque conferido pelo povo nas urnas, portanto qualquer medida que possa significar a suspensão do mandato, ou o impedimento de que o parlamentar o exerça, tem que antes passar pela decisão do próprio poder Legislativo. Tudo bem se fosse uma prisão política. Mas o problema é que o mandato não foi conferido para que o parlamentar roube e sim para que ele cumpra suas funções legislativas. É crime comum. Foi nesse desentendimento que o STF abriu a fenda para decisões como a de ontem. O curioso é que os desembargadores que votaram pela prisão dos três deputados não haviam suspendido o mandato, mesmo assim a Alerj se adiantou e votou pela manutenção dos mandatos.
E as investigações? Elas continuam e se tornam mais robustas. Portanto o dia de ontem foi da impunidade, mas não foi o último capítulo dessa história. Foi até um dia emblemático porque amanheceram na prisão os homens que comandaram a Alerj nos últimos 22 anos. Juntos chefiaram o legislativo do Rio, Sérgio Cabral, Picciani e Paulo Melo. Juntos governaram o Rio por mais de duas décadas. Juntos, passaram no presídio de Benfica o dia em que completava-se o primeiro aniversário da prisão de Cabral. Foi, assim, um momento de sinais mistos nessa luta entre a impunidade e o combate à corrupção. Houve motivos também para se concluir que o país avança, ainda que em meio aos retrocessos, como o que ficou consagrado na triste sessão de ontem da Alerj.
Os requintes do absurdo deixaram evidente a fraqueza dos que venceram. A comissão que se chama de “Constituição e Justiça" teve que tirar os jornalistas, trancar a porta, convocar suplentes — porque dois dos titulares, Albertassi e Paulo Melo, estavam na cadeia — para ler e votar o relatório favorável aos presos. Isso é o sinal mais claro do divórcio entre o Legislativo e o eleitor do Rio de Janeiro.
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