quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Inflação ameaça voltar à cena e intranquiliza os mercados: Editorial/Valor Econômico

Após meses seguidos de exuberância, os mercados acionários sinalizaram, com as quedas acentuadas de sexta-feira e de segunda-feira, que estão próximos de uma correção. Ela está sendo impulsionada pelo aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano de 10 anos, que agora giram em torno de 2,8%. O cronograma comedido de altas espaçadas dos juros pelo Federal Reserve tropeçou em um grande ponto de interrogação depois que foram divulgadas as estatísticas sobre salários em janeiro, que apontaram finalmente para cima, depois estacionadas perto de 2,5% por muito tempo. Em janeiro, o salário por hora cresceu 2,9%.

A possibilidade de reprecificação tumultuosa dos ativos existe sempre, mas não é uma fatalidade. Ela seria muito ruim para o Brasil, que vem comprando tempo para as reformas com o cenário externo "benigno". O quase pânico dos investidores foi a tardia reação a uma clara mudança de cenário - o risco de deflação saiu de cena e será substituído pelo risco inflacionário. Em algum momento a inflação subirá com o crescimento econômico robusto, que tornou-se global, e o Federal Reserve bem pode ter de responder com mais de vigor a esse fenômeno. O ponto fundamental é a magnitude desses dois movimentos, obviamente impossível de prever.

Vários fundamentos da economia desencorajam a aposta em uma crise imediata e de grandes proporções. Embora ninguém espere que a inflação fique parada com a economia global crescendo sincronizadamente ao ritmo de 3,9% no ano (avaliação do FMI), o fato é que ela ainda não se moveu. Na verdade, caiu para 1,3% em janeiro da zona do euro e, nos EUA, foi menor em dezembro que no mês anterior (0,1% ante 0,4%). No índice preferido do Fed, o de gastos pessoais de consumo, desacelerou e fechou o ano em 1,7%. Expurgando-se alimentação e energia, atingiu 1,5%, a considerável distância da meta de 2%.

A maior probabilidade de que a inflação suba mexeu com os prêmios de risco. Os prêmios nominais abandonaram o terreno negativo e são os mais altos após a crise de 2008, mas o prêmio real mexeu-se pouco (Gavyn Davies, FT, 5 de fevereiro), indicando que é a expectativa de inflação maior a determinante no momento. Mesmo essa expectativa ainda é bastante moderada - com os recentes chacoalhões nas bolsas, os investidores passaram a apostar na possibilidade de quatro altas dos juros e não mais em três - 0,25 ponto percentual a mais no ano, nada que prenuncie um desastre.

A realocação dos ativos nos mercados financeiros se acomoda com defasagem à normalização monetária - a volta ao crescimento com taxas de juros não mais anormalmente baixas, como saúda Mohamed El-Erian, ex- Pimco. Até a esperada correção nos mercados acionários pode ser comedida, se a inflação não ludibriar o Fed e os analistas. Com o forte crescimento americano, a ser anabolizado por estímulos fiscais do corte de impostos de Trump, a perspectiva para as empresas e suas ações se mantém positiva, tornando menos provável uma violenta correção para baixo.

Mas há riscos. Com o déficit público em alta, o Tesouro ampliará a venda de títulos no mesmo momento em que o Fed se desfaz da montanha de papéis que têm em sua carteira, conjunção desagradável que deverá pressionar para o alto as taxas de curto prazo a um ritmo que pode desmanchar o calendário moderado do Fed.

Uma grande incógnita, talvez ainda muito escondida nos preços dos ativos, é o comportamento do novo presidente do Fed, Jerome Powell. Há incertezas sobre como ele lidará com os efeitos cumulativos de estímulos fiscais, déficits em alta, mercado de trabalho mais apertado que sua tendência histórica e uma economia se expandindo acima de seu ritmo potencial. Todos esses fatores não aparecem juntos desde 2008. E depois de uma década de doping monetário, é difícil vislumbrar quando e com que ritmo a inflação ressurgirá.

Powell pode manter a linha de Janet Yellen, que seguiu desde que entrou no Fed, e só se mover com a garantia dos dados presentes. Pode, contudo, temer que o Fed esteja ficando atrás da curva e sinalizar um aperto monetário mais rápido e um pouco maior que o esperado. Ao presidente Donald Trump, conviria a primeira atitude. Mas a condescendência, tanto quanto a pressa, é um perigo nesse contexto. O batismo de fogo de Powell virá logo.

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