- Valor Econômico/Eu &Fim de Semana
O Brasil tem hoje uma pressa econômica e tecnológica que não corresponde às possibilidades e ao ritmo de incorporação das novas gerações ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, neste cinquentenário da rebelião dos jovens de classe média, convém refletir sobre os episódios de 1968 nas universidades.
A retórica era anticapitalista, sem dúvida, alimentada, porém, pelas frustrações de inserção social num momento de modernização da economia, que, naquela época, como agora, estava voltada sobretudo para a redução dos custos do trabalho. Mudanças econômicas foram feitas para que mais gente trabalhasse pela mesma massa de salários. Agora é mais gente procurando trabalho do que trabalho procurando gente.
Não são acidentes relacionados apenas com a cegueira e as orientações equivocadas deste ou daquele governo nas políticas econômicas desgrudadas de políticas sociais. Remendos como o Bolsa Família não emancipam as pessoas nem nelas fazem renascer a esperança do pertencimento. Ao contrário.
São consequências da desativação interesseira dos mecanismos sociais de integração das novas gerações ao sistema econômico. Aos poucos, neste meio século, essas mudanças atingiram seriamente a mentalidade popular fundada na esperança de reconhecer em quem trabalha o legítimo direito de fazer parte da sociedade. Essa esperança vem sendo cada vez mais negada, aos jovens, sem dúvida, mas também aos que acima dos 50 anos de idade são mais alcançados pelo desemprego e pelas condições adversas de vida. Vivem mais que seus avós, porém sem a esperança que seus avós tiveram.
Nesse sentido, para compreensão do problema, pode ser útil rever sumariamente a história das oportunidades de ascensão social no Brasil. O Brasil já teve, no empresariado, inteligências capazes de conceber estratégias econômicas de significativos efeitos sociais e mesmo políticos, como foi o caso de Antonio da Silva Prado, entre o fim da escravatura e a Revolução de Outubro de 1930, e foi o caso de Roberto Cochrane Simonsen, entre o fim da Revolução de 1932 e o período da redemocratização após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invenção e a viabilização de mecanismos sociais de integração na economia sempre envolveram talento e criatividade econômica e social, competência para mover-se no âmbito do socialmente possível. Não fosse essa criatividade o Brasil teria afundado com a crise e o fim da escravidão. Teria se tornado uma republiqueta.
Há quatro gerações, a distância entre bisavós e seus filhos era abrandada por uma lentidão correspondente ao tempo necessário para que um jovem de então chegasse naturalmente a seus dias de maturidade, os da constituição de sua própria família conjugal e ao início da procriação. Em geral, em situação melhor do que a de seu pai. O filho progredia o suficiente para do pai se diferençar. Já seu filho chegaria ao mesmo estágio em situação melhor do que a do pai e bem melhor do que a do avô.
Os bisnetos desses avós antigos, brasileiros de quarta geração, no Sudeste e no Sul majoritariamente descendentes de imigrantes estrangeiros, não raro italianos, espanhóis, alemães, japoneses, poloneses, russos, chegaram ao momento de sua inserção autônoma na sociedade aí pelos anos 1950-1960. O intervalo entre cada geração fora vivido com a paciência necessária à preparação para a etapa seguinte da vida. Havia a certeza de que chegada a hora da maturidade, a oportunidade estaria lá, o emprego do filho melhor que o do pai. Numa simples reunião de família, três gerações podiam constatar os efeitos do esforço de todos e de cada um. Hoje, numa reunião de família, felizes os que podem constatar que continuam no mesmo lugar.
Até então, cumprira-se o projeto histórico de Antonio da Silva Prado, o maior fazendeiro de café do mundo e grande empresário - diretor da melhor ferrovia brasileira, a Companhia Paulista, industrial, grande comerciante de exportação de café, banqueiro. E político: foi o primeiro prefeito de São Paulo, o que transformou a cidade de um povoado de casas de pau a pique numa cidade de cimento e pedra e de padrão europeu.
Num discurso célebre no Senado do Império, em 1888, foi ele quem definiu a fórmula da ideologia da ascensão social pelo trabalho: se o trabalhador fosse morigerado, sóbrio e laborioso, formaria pecúlio, poderia comprar, então, a terra do seu trabalho, tornar-se proprietário e senhor dos frutos de seu labor. Era a versão brasileira da ética capitalista do trabalho pois nela a propriedade da terra e a renda fundiária tornam-se mediações não capitalistas da consolidação da economia capitalista.
Os 13 milhões de desempregados mostram que o ciclo virtuoso da ascensão social pelo trabalho está no fim.
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José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “O Coração da Pauliceia Ainda Bate” (Ed. Unesp/Imprensa Oficial).
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