- Folha de S. Paulo
Sem o ex-presidente, o partido se retira da peleja? Caso dispute e vença, o eleito será ilegítimo?
Deve-se fugir de um clichê como o diabo da cruz (ops!), a menos que nada haja de mais preciso. Ao se referir aos Bourbons, Talleyrand definiu os petistas: "Não aprenderam nada; não esqueceram nada". Lula é hoje vítima da concepção de mundo de seu próprio partido. Trecho de um artigo de André Singer publicado nesta Folha, não me deixou de queixo caído: "Olhemos para o julgamento do TRF-4 do ângulo das consequências políticas e eleitorais que traz, deixando a controvérsia jurídica a cargo de quem dela entende".
Porca miséria! Então Lula é condenado sem provas, e sou eu =o pai dos termos petralha, esquerdopata e Babalorixá de Banânia= a apontar as múltiplas trapaças técnicas do julgamento!? Já o petista Singer afirma ser essa uma questão menor? Não! Ele não é um covarde. Ele é um petista.
Eleição sem Lula é ilegítima, gritam os companheiros, porque Lula representa milhões. A lógica: a um político irrelevante, tolera-se um homicídio; a um grande líder, um morticínio. Entendo. Stálin não se fez apenas da vontade de matar, mas também da lassidão moral de acólitos. Aquele pequeno trecho de Singer sintetiza quase 200 anos de crimes em nome de um novo mundo.
Há dias, Lula recomendou que o partido construísse alternativas a seu nome. Segundo o Datafolha, 27% dos entrevistados votariam em quem ele indicasse. Outros 17% poderiam fazê-lo. Isso bastaria, dado o quadro, para pôr um ungido seu no segundo turno. A propósito: sem o ex-presidente, o partido se retira da peleja? Caso dispute e vença, o eleito carregará a mácula da ilegitimidade?
O que explica a estupidez? Resposta: o desprezo às regras da democracia e ao Estado de Direito. Se o MPF apresentou ou não as provas, pouco importa. Ainda que o tivesse feito, os companheiros estariam proclamando a ilegitimidade da disputa do mesmo modo. Ao petismo, são irrelevantes as questões de direito. Só valem as questões de fato na exata medida em que servem ou não para fortalecer o partido. Em sua história, o PT tanto destruiu a reputação de gente séria como ajudou a lavar a biografia de larápios.
Essa gente é incapaz de enxergar na hipertrofia do MPF e do Judiciário uma ameaça à democracia, que, por consequência, atinge também Lula e o PT. Se e quando tocam na questão democrática, os petistas o fazem para proteger o partido e seu líder. Tudo o que fere os interesses da legenda feriria também a democracia, mas nem tudo o que agride a democracia ofende a legenda. Controvérsia jurídica, afinal, remete à organização do Estado democrático, às instituições, à ordem =instâncias que o petismo sempre viu como fases ou obstáculos a serem superados.
Lula foi condenado sem provas. Os petistas só protestam porque a vítima é o ex-presidente. Tanto é assim que seus autointitulados intelectuais, artistas e pensadores continuam a pedir a cabeça de adversários aos mesmos verdugos que condenaram seu líder à guilhotina, o que legitima os Robespierres de meia-tigela e terninho preto, aliados da legenda no assalto essencial ao Estado. Nesta quinta, membros do Ministério Público e juízes protestavam em frente ao STF contra a reforma da Previdência.
Mais de uma vez já me vi tentado a escrever: Lula merece o que está aí; é ele o grande artífice da maior máquina de destruir reputações jamais criada no país. Mas não consigo. Vejo o que o PT não vê: um indivíduo condenado sem provas condena sem provas todos os indivíduos. Por isso entro, sim, na controvérsia jurídica.
Ao escrever "Lula foi condenado sem provas", chego ao estado da arte do meu antipetismo. Ao escrever "isso é coisa de especialistas", Singer atinge o petismo como ideia.
De volta à terra: a única arma que pode livrar o ex-presidente da cadeia é a jurídica. A menos que o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) tenha uma ideia melhor...
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