- O Globo
J á virou tradição. A abertura do ano judiciário se tornou um grande encontro de investigadores e investigados. A confraternização se repetiu ontem no plenário do Supremo. Juízes, procuradores e políticos sob suspeita trocaram cumprimentos, posaram para fotos e ouviram juntos o Hino Nacional.
Por força do protocolo, a ministra Cármen Lúcia se viu cercada por três alvos da Lava-Jato. À sua esquerda, sentou-se o presidente Michel Temer, denunciado por corrupção, organização criminosa e obstrução da Justiça. À direita, o senador Eunício Oliveira, o “Índio” da lista da Odebrecht. Completou a mesa o deputado Rodrigo Maia, apelidado de “Botafogo” nas planilhas da empreiteira.
A anfitriã fez um belo discurso em defesa do Judiciário. Sem citar Lula, mandou recado aos petistas que protestaram contra a condenação do ex-presidente. “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão”, disse. “O que é inadmissível é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”.
Tudo certo, mas faltou dizer que o Supremo já permitiu o desacato duas vezes na gestão da ministra. Na primeira, aceitou que Renan Calheiros ignorasse uma ordem para deixar a presidência do Senado. Na segunda, curvou-se a uma rebelião contra o recolhimento noturno de Aécio Neves. O tucano se salvou do castigo graças ao voto de minerva de Cármen.
A procuradora Raquel Dodge fez o discurso mais duro da cerimônia. Disse que o país sofre com a “corrupção ainda disseminada” e o “sentimento de impunidade”. Ela citou Ulysses Guimarães (“A corrupção é o cupim da República”) e cobrou a aplicação da lei aos poderosos: “Os culpados precisam pagar por seus erros. Só assim afasta-se a sensação de impunidade e se restabelece a confiança nas instituições”.
Bonitas palavras, mas o Supremo e a Procuradoria têm culpa no cartório. Até hoje, a corte não julgou nenhum réu da Lava-Jato. A delação da Odebrecht já fez aniversário, mas só gerou uma denúncia contra político com foro privilegiado.
O delegado indicado para chefiar a Polícia Federal no Rio é filiado ao PSC. Ontem o pré-candidato do partido ao Planalto foi alvo de uma operação que apura fraudes no Postalis. Tudo em casa.
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