quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Rosângela Bittar: Nem Lula nem Trump

- Valor Econômico

Embora não lhe renda estima, a ação foi presidencial

O presidente Michel Temer interrompeu o descanso de Carnaval na Restinga da Marambaia para enfrentar um problema de sua única competência: o afluxo de refugiados venezuelanos a Roraima, onde já são quase uma população de uma cidade média, cerca de 40 mil novos habitantes de rua.

A situação encaminhava-se para o caos, com a população local começando a reagir à concorrência na disputa por empregos, quando o tirocínio político entrou em ação.

Temer seguiu orientação da diplomacia, dos militares e do Ministério da Justiça, responsáveis pela segurança de fronteira e pelas relações do Brasil com os governos estrangeiros e teve o bom senso de não contrariar a avaliação política e técnica de funcionários dessas áreas, nem perder o senso humanitário.

Evitou o método truculento de Donald Trump, que certamente ergueria logo um muro para conter a migração, e a leniência de Lula nas concessões às imposições de Hugo Chávez, primeiro, e depois de Nicolás Maduro, que fizeram do governo brasileiro nos últimos 13 anos a sua extensão.

Desde fins de novembro o Itamaraty vinha se preparando para uma atuação mais firme na fronteira com a Venezuela e, sobretudo, formulando política mais ampla para suas relações com refugiados e ações consulares de risco.

Assim, foi possível, quando se viu que a situação só piorava e não convinha deixar passar os feriados sem reação, ter um plano mínimo que inclui, entre outras medidas, a criação de uma força-tarefa para tratar da crise migratória dos venezuelanos.

Esse grupo deve ser criado por medida provisória, de hoje para amanhã, e imediatamente entrará em operação em Roraima que, diariamente, recebe novas levas de venezuelanos que fogem da fome, do desemprego, da falta de remédios. A Prefeitura de Boa Vista estima que cerca de 40 mil venezuelanos tenham entrado na cidade, mais de 10% da população local que é de 330 mil habitantes, mas no ritmo em que segue a crise política e econômica do governo Maduro, esse número não tardará a atingir os 100 mil.

A força tarefa funcionará sem interferências no governo de Roraima e na Prefeitura de Boa Vista, mas essas esferas de poder terão presença no grupo e nas decisões. Há providências mais imediatas e que são pré-condições para as ações seguintes, como um recenseamento dos que já migraram. Afirma-se que há muitos com curso superior que teriam mais facilidade de inserir-se no mercado de trabalho em outros Estados, há solteiros, há casados com filhos, e conhecer a situação importa para a sua distribuição adequada entre os Estados. Temer garantiu que haverá dinheiro para ajudar refugiados e governos estaduais que os abriguem.

Isso não significa que o governo brasileiro tenha se entregado aos caprichos dos refugiados ou à oposição venezuelana, como os governos do PT se entregaram às ditaduras bolivarianas de Chávez e Maduro. Até o momento o Brasil parece ter adotado um projeto diplomático de grande racionalidade e eficácia.

Acompanhado de seu quartel general da área de segurança, de que participam os ministros da Defesa, Raul Jungmann, da Justiça, Torquato Jardim, e do Gabinete de Segurança Institucional, Sergio Etchegoyen, com quem viajou a Roraima, o presidente garantiu que o Brasil não impedirá a entrada de refugiados. Ou seja, se manterá fiel à índole e princípios de país que forjou a sua cultura em ondas migratórias sucessivas. Mas, com o governo presente e agindo, não abrirá mão de organizar a entrada para que ela possa ser eficaz e a população brasileira não seja prejudicada pelo senso humanitário do país.

Temer prometeu resolver o problema em 11 meses, que é o que lhe resta de mandato. Poderão os críticos dizer que o presidente fez uma jogada publicitária e espera, com essa ação genuinamente presidencial, elevar alguns pontinhos do seu baixo índice de popularidade.

É possível e até provável que a iniciativa, porém, não lhe renda um milésimo de percentual de apoio. As grandes cidades, como Rio e São Paulo, que aprofundam as taxas de rejeição ao presidente, não devem nem perceber a chegada dos novos vizinhos. Venezuelanos em fuga ainda não é um problema que tenha a ver com suas vidas. Mas tem tudo a ver com a tarefa de condução do país pelo governo.

Depois das flores do recesso, notícias fabricadas por parlamentares para aparecer na mídia durante as férias do Congresso, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, acabou de cultivar as flores do Carnaval. Precipitou-se a escalar o palanque para cobrar "declarações" do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, em entrevista à "Reuters", no sábado de Carnaval, em que teria revelado segredos de inquérito para beneficiar, na retórica, o presidente Temer. Só que o ministro levou em consideração as perguntas do repórter e não as respostas do delegado. Agiu antes de ver que a própria agência de notícias havia corrigido o que atribuíra equivocadamente ao policial. A frase que serviu de escada ao ministro e também à corporação, incansável na busca de algo para derrubar o delegado do posto máximo desde que foi nomeado, não foi uma "declaração" do diretor, foi uma "indicação", ou seja, um comentário dele que permitiu ao entrevistador e não ao entrevistado chegar àquela conclusão dolosa. Mas a notícia ganhara pernas e o carnaval da política já estava garantido quando a realidade se impôs.

Sem pertencer a nenhum dos numerosos grupos de renovação política já formalizados, surgiu o homem que pode mudar as eleições em Alagoas, Estado onde a presença de candidatos processados bate recordes. Alfredo Gaspar de Mendonça, Procurador, ex-secretário de Segurança, tem aparecido nas pesquisas desafiando o favoritismo dos políticos que se eternizam nos cargos apesar da Justiça.

Fenômeno que começa a ser percebido pelos adversários, tanto que já pensaram lhe propor vaga de vice na chapa de reeleição do atual governador, para herdar o posto quando ele sair para a disputa do Senado, de forma a afastar-se do caminho de outros coronéis.

Alfredo Gaspar está bem nas pesquisas, tem apelo popular adquirido na sua atuação como secretário de Segurança de um Estado violento, não sofreu processos, é independente e já avisou que não será fácil tirá-lo do caminho. A rejeição ao jovem idealista é baixíssima em comparação ao mar de rejeição dos seus adversários. Mas ele quer vaga para o Senado, o que também querem Renan Calheiros, Teotonio Vilela, Benedito de Lira e Maurício Quintella.

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