quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Ordem e folia: Editorial/Folha de S. Paulo

Sucesso do Carnaval de São Paulo demanda aprendizado

As imagens falam por si mesmas. Apesar de seguida —e previsível— militância nas redes sociais, não prevaleceu a tentativa de agourar um fracasso no Carnaval paulistano, supostamente tributário do viés "antipopular" (leia-se não petista) da prefeitura.

Habitualmente tomada por fileiras quilométricas de automóveis, a avenida 23 de Maio deu lugar a cortejos de milhares de pessoas. Em intensidade que cresce ano a ano, os blocos de rua fazem com que o Carnaval de São Paulo rivalize hoje com os de cidades proverbialmente identificadas com a data, como Rio, Salvador ou Recife.

De alguma forma, é como se a capital paulista se integrasse mais à imagem que, para bem ou para mal, está associada ao Brasil.

Para bem, naturalmente, fica a ideia de uma população descontraída, dionisíaca, fusional. Do lado oposto, parece estar o clássico esquecimento dos próprios problemas, que exigem compenetração e empenho público.

Esse aspecto contraditório da realidade brasileira, de que São Paulo na verdade nunca escapou, reflete-se no próprio fenômeno do Carnaval. Ninguém ignora o quanto de planejamento se exige para o êxito de um grande desfile.

Conciliar ordem e folia, disciplina e transgressão; eis algo que poderia soar como a quadratura do círculo. É possível e necessário, porém —por parte dos carnavalescos e do poder público.

Nem tudo, na festa paulistana, concilia-se com o sucesso.

Reportagem publicada por esta Folha mostrou, por exemplo, que em hospitais próximos à 23 de Maio as vidraças de UTIs chegaram a estremecer com o som dos trios elétricos. Contam-se os foliões, mas não há cálculo dos muitos que tiveram problemas para chegar ao trabalho ou à própria casa.

As restrições de áreas e horários impostas pela gestão João Doria (PSDB) lograram êxito parcial. Em diversos pontos da cidade, o barulho prolongou-se por horas além da passagem dos blocos.

As tentativas de controle não se dão sem tensões. Em particular na Vila Madalena, onde há anos os moradores reclamam do som alto e da sujeira, houve quem se ressentisse do cerceamento à liberdade de ir e vir —atrás de grades montadas no local, seguranças exigiam comprovante de residência de quem quisesse passar.

De todo modo, o aprendizado parece promissor. A escala de horários e locais dos blocos pode ser aperfeiçoada, para o bem dos que não participam da festa. Apolo e Dionísio podem aliar-se; se quisermos uma tradução para as figuras arquetípicas da ordem e da orgia, digamos que mesmo o samba admite seus momentos de breque.

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