- O Globo
Num momento em que os advogados estão na berlinda, tão criticados quanto necessários nesses tempos de Lava-Jato, o advogado José Roberto de Castro Neves não faz por menos. Em livro recém lançado, ele simplesmente defende a tese de que os advogados salvaram o mundo, como está explicitamente no título da obra.
Na opinião arrebatada de outro advogado, Técio Lins e Silva, o livro é uma legítima defesa dos advogados, que os magistrados e membros do Ministério Público deveriam ler. Embora não fale da Lava-Jato, José Roberto a considera obra de advogados idealistas, jovens que decidiram enfrentar o sistema, como tantos outros advogados idealistas no passado, que buscavam um mundo mais justo e correto.
No fundo, avalia José Roberto, os valores que animam os procuradores, membros do Ministério Público, delegados da Polícia Federal e juízes, a fim de desbaratar a corrupção no país, são os mesmos que motivaram Calvino, Cromwell, Jefferson, Danton, Gandhi ou Mandela, todos advogados, contra injustiças que encontraram. “A mensagem é de esperança”, acredita o autor.
José Roberto tem uma visão humanista de sua profissão, vê como indispensável ao bom advogado a literatura, a História, as artes, sobretudo define o advogado como aquele que, além de falar pelo outro, deve colocar-se no lugar do outro que representa.
Especialista em Shakespeare, tem um estudo sobre a comédia “Medida por Medida” em que analisa o Direito à luz dos desdobramentos da peça. E participou de uma antologia de textos de advogados sobre Shakespeare, escrevendo sobre os canalhas que aparecem em suas peças e como eles são nossos conhecidos até os dias de hoje.
“Como os Advogados Salvaram o Mundo” busca retratar a contribuição da advocacia para a Humanidade e não deixa por menos: os advogados não apenas formaram e modelaram a civilização, mas “salvaram o mundo”. O livro trata, a rigor, de como o homem se relaciona com o arbítrio. A tese, na definição do autor, é a de que os advogados, pela sua atividade, são os primeiros a se confrontar com um Estado autoritário. Em função disso, historicamente, lideraram os movimentos que visavam a assegurar as garantias fundamentais, como a liberdade, a possibilidade de manifestar as opiniões, a isonomia do tratamento, assim como evitar os desmandos dos poderosos (opondo-se, também, à corrupção).
Foi assim com a revolução protestante — pois Lutero estudou Direito e Calvino era advogado. Foi assim com o movimento iluminista — Descartes estudou Direito. Montaigne e Montesquieu também. Nas revoluções que movimentaram a Inglaterra, os advogados estavam à frente: Cromwell era advogado, assim como toda a sua família. A revolução americana foi toda obra de advogados.
José Roberto lembra ainda que, tirando Washington — um militar, pois era necessário expulsar os ingleses —, todos os demais “founding fathers” eram advogados. Adams, Jefferson, Madison, Hamilton. A Declaração de Independência é um documento jurídico — um libelo contra o rei inglês. A Constituição americana — a primeira desse tipo e a mais longeva — é outro instrumento jurídico que moldou toda a civilização.
A Revolução Francesa serve de outra prova de que os advogados estavam no comando desses movimentos: Robespierre, Danton, Saint-Just entre muitos outros advogados comandaram os acontecimentos. A Declaração dos Direitos Universais segue um modelo jurídico. Mais recentemente, outros advogados, como Gandhi e Mandela fizeram toda a diferença, sempre partindo de modelos jurídicos.
José Roberto de Castro Neves inclui o Brasil em sua história da advocacia, lembrando advogados importantes como José Bonifácio de Andrada, o Patriarca da Independência, formado em Direito em Coimbra, destino da elite na Colônia. Aliás, lembra ele, antes, todos os poetas e líderes da Inconfidência Mineira também eram advogados formados em Portugal, pois não havia universidades no Brasil colonial, quando nos Estados Unidos já havia várias.
A classe se envolveu mais no movimento abolicionista e nas campanhas civilistas, nas quais Ruy Barbosa teve posição proeminente. Prudente de Moraes deixou a presidência para reassumir sua banca de advogados em Piracicaba. Getúlio Vargas também era advogado. Hoje, depois de um hiato, temos outro advogado no poder.
Embora não houvesse uma participação direta de advogados na nossa formação, José Roberto de Castro Neves lamenta que somos chamados — de forma depreciativa — de o país dos bacharéis. E registra a seguinte estrofe de autoria desconhecida: Quando Deus voltou ao mundo, Para castigar os infiéis, Deu ao Egito gafanhotos E ao Brasil deu bacharéis...
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