- Valor Econômico
Nestas eleições, vale o imponderável nos minutos finais
Na política assim como no futebol, os tempos são de vale tudo. Chutes na canela, empurrões, mão na bola. Isso tudo sem combinar com os russos, digo, com os eleitores. Cadê o fair play numa disputa em que até o gandula sabe que o presidenciável do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, sentará no banco dos reservas no final do segundo tempo? Cadê o jogo limpo quando uma ala do PSDB ensaia à luz do dia um drible para substituir o candidato da sigla à sucessão presidencial? Cadê o fair play numa campanha de candidatos imaginários?
Nelson Rodrigues, testemunha ocular de três mundiais vitoriosos da seleção, escreveu em 1966 que o maior defeito do futebol brasileiro era a "extrema delicadeza" dos jogadores. "Era de dar pena a correção dos nossos rapazes, jogavam na bola e só na bola, jamais o mundo vira um escrete tão doce e de uma inocência quase suicida".
Para Nelson, um sociólogo que analisasse a seleção - então bicampeã - faria a constatação apiedada de que o "escrúpulo é próprio do subdesenvolvimento", assim como a "humildade, a lealdade e o altruísmo".
Passados mais de 50 anos, continuamos subdesenvolvidos - ou emergentes, para usar o termo apropriado - mas parece que o "defeito" em relação ao escrúpulo, à humildade, à lealdade e ao altruísmo parece superado, seja no futebol, seja na política.
No gramado, temos dois titulares pendurados em cartões amarelos, antes das oitavas-de-final, por desacato ao juiz. Na partida contra a Costa Rica, nosso atacante mais popular insultou o capitão da seleção brasileira em campo justamente por causa de um gesto de fair play deste capitão para com o time adversário.
Líderes experientes rechaçam qualquer possibilidade de que nos 45 minutos do segundo tempo, João Doria venha a substituir Geraldo Alckmin, atendendo a uma espécie de ultimato da maioria dos 49 deputados federais e 12 senadores da legenda. Um dirigente partidário, que negocia a aliança nacional com o PSDB, afirma que essa possibilidade foi enterrada no "jantar do guardanapo", no restaurante Emiliano, em São Paulo, há duas semanas, quando Alckmin atirou o adereço sobre a mesa, em um gesto de desafio para que o substituíssem.
Mas um dos insurgentes tucanos questiona: por que após quatro derrotas consecutivas para o PT e um jejum de poder de 16 anos, uma maioria angustiada com o desempenho débil do presidente da sigla, deveria submeter-se a um projeto pessoal no lugar de um coletivo?
Em outra arena, o PT tenta atrair o PSB para uma aliança nacional sem revelar ao potencial aliado, entretanto, a identidade do verdadeiro candidato a presidente. Isto porque Lula - cumprindo pena em Curitiba pela condenação em segunda instância -, está detido na linha de impedimento, por força da Lei da Ficha Limpa.
Não bastasse a questionável estratégia petista do "candidato imaginário", o PT rifou ontem sem titubeio a vaga postulada pelo PSB na chapa majoritária encabeçada pelo governador petista Rui Costa, candidato à reeleição na Bahia.
Em meio às negociações pela coligação nacional com o PT, os pessebistas pleiteavam uma vaga para a reeleição da senadora Lídice da Mata, primeira mulher eleita para o Senado pela Bahia. Mas o lugar foi cedido ao PSD, enquanto a outra colocação cabe ao ex-ministro petista Jaques Wagner.
Um gol contra no âmbito do diálogo pela coligação nacional, testemunhado in loco por um dos interlocutores autorizados pelo ex-presidente Lula para as tratativas nacionais: o ex-prefeito Fernando Haddad.
Além do chute na canela de Lídice, o PT ainda espera do PSB que abra mão da candidatura de Marcio Lacerda ao governo de Minas Gerais, o que o ex-prefeito de Belo Horizonte já descartou. Ao fim e ao cabo, a aliança nacional deve frustrar, e o lance final do PT será a confirmação da candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco, maior pesadelo do PSB.
Num jogo onde não há neófitos nem inocentes, valerá nestas eleições o imponderável dos minutos finais. "O começo de qualquer partida é uma janela aberta para o infinito. Ao soar o apito inicial, todas as possibilidades passam a ser válidas; há a angústia da dúvida, e a angústia inversa da certeza", escreveu Nelson Rodrigues em 1962, na véspera do bicampeonato.
No jogo
As eleições de 2018 não se parecem em nada com as de 1989, ao contrário do que se apregoa aqui e ali. Isso porque naquele pleito, os brasileiros não tinham aversão aos políticos. Por isso, redobram as chances neste cenário de que um neófito da política saia vitorioso destas eleições.
Esta é a narrativa que o empresário Flávio Rocha, pré-candidato do PRB à Presidência da República, apresentará aos potenciais aliados do Centro político (DEM, PP, SD, PSC) em reunião na tarde de hoje em Brasília.
Municiado de pesquisas qualitativas que indicam as chances de consagração de um novato nas urnas, Rocha vai expor um cenário semelhante, na verdade, às eleições municipais de 2016, em que desconhecidos da política tradicional se elegeram em grandes capitais.
O exemplo mais notório é o de João Doria, que se elegeu prefeito de São Paulo no primeiro turno. Também são lembrados o atual prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), e de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB). De domingo para cá, ainda se pode mencionar o novo governador de Tocantins, Mauro Carlesse (PHS), um paranaense desconhecido do eleitorado local.
Estreante, Rocha quer convencer as velhas raposas de que o "novo" tem mais chances em outubro. Outro argumento é de que a leitura das pesquisas está equivocada. Ele não é o candidato que tem 1% de intenção de votos, mas sim o que é conhecido por apenas 6% dos brasileiros.
O traço, no seu caso, é de rejeição, o que no somatório final seria uma alta conversão de votos. Isso num cenário em que mais de 50% dos brasileiros afirmam que ainda não sabem em quem votar, e 77% afirmam que votariam em outro candidato, segundo dados da pesquisa qualitativa que tem em mãos. Até então identificado como o candidato do Movimento Brasil Livre (MBL), o presidente da Riachuelo quer mostrar que seu nome ainda tem jogo.
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