terça-feira, 26 de junho de 2018

Míriam Leitão: Enigma energético

- O Globo

O setor energético está para viver mais uma confusão. O governo colocou a leilão seis distribuidoras de energia da Eletrobras, mas a Câmara não aprovou o PL que daria segurança jurídica à venda. Com isso, elas podem ser liquidadas, o que é mais fácil falar do que fazer. Como seria deixar dois estados do Nordeste e quatro do Norte sem uma empresa de energia? Ninguém sabe porque nunca aconteceu.

O governo tentou aprovar a urgência no projeto que facilitaria a privatização dessas concessionárias, mas não conseguiu. As concessões já venceram e foram renovadas até 31 de julho. Durante o debate do assunto, o governo disse que ou venderia ou simplesmente as liquidaria. E agora?

— Ninguém sabe ao certo porque é uma situação inédita. Nunca aconteceu no Brasil de uma concessionária que presta serviço público ser liquidada — diz Edvaldo Santana, presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace).

Essas concessionárias provocam prejuízo de R$ 220 milhões por mês, R$ 2,4 bilhões por ano. São as dos estados de Sergipe e Alagoas, Amazonas, Acre, Rondônia, Piauí e Roraima. De todas, a que tem o maior rombo é a Amazonas Energia. O governo pensou em privatizálas por um preço simbólico com o compromisso, pelo comprador, de investir. No caso da liquidação, a Eletrobras tem que lançar a prejuízo R$ 20 bilhões, mas o mais importante é o que acontece depois.

— Liquidar é o governo pegar de volta a concessão e deixar a empresa sem receita — diz Santana.

Parece completamente inviável. O governo deixaria um terço do território, 13 milhões de brasileiros sem uma empresa responsável pelo fornecimento de luz? A melhor opção talvez seja baixar outro decreto cobrindo este custo anual e deixar isso ser resolvido pelo próximo governo. Aprovar o projeto no Congresso da privatização dessas concessionárias era o primeiro passo para privatizar a própria Eletrobras.

O projeto que está no Congresso, e que não foi votado, nem conseguiu a aprovação de urgência, permitiria resolver inúmeras pendências complexas, como compatibilizar o prazo de concessão, com o prazo de outorga das usinas termelétricas, e do gasoduto Urucu-Coari-Manaus. A maior das dificuldades é a Amazonas Energia que, em qualquer cenário, vai obrigar a Eletrobras a assumir uma parte do passivo.

O setor de energia no Brasil é uma sucessão inacreditável de confusões, prejuízos, regulação errada, má gestão e ocupação política de cargos. O que animou o mercado, quando se falou na venda de ações que faria o Estado perder o controle da Eletrobras, foi a esperança de acabar com décadas de nomeação política e má gestão na estatal de energia.

A Eletrobras chegou a valer R$ 46 bilhões em 2010. Durante o governo Dilma, a perda foi progressiva, mas ela desabou mesmo após a aprovação da MP 579, de setembro de 2012, que mudou o marco regulatório do setor e obrigou a Eletrobras a aceitar contratos que eram lesivos aos interesses da empresa. No ano seguinte, chegou a valer apenas R$ 7 bilhões. A partir de 2016, com a perspectiva do impeachment, e, depois, com nova gestão, ela foi recuperando valor e chegou a R$ 35,6 bilhões. Nos últimos meses, com a possibilidade de aprovação ficando mais remota, ela voltou a cair na bolsa e hoje vale R$ 18 bi, segundo a Economática.

O que fazer com as distribuidoras é só um dos vários problemas que ainda aguardam solução. O próximo governo terá que começar a consertar erros que ficaram de gestões passadas e procurar caminhos para tornar a regulação mais simples e o setor mais eficiente.

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