- Folha de S. Paulo
Cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser em relação a seus homólogos
Está pegando mal até no Partido Republicano a extrema deferência com que Donald Trump vem tratando o príncipe Mohammed bin Salman, mesmo diante das crescentes evidências de que foi o herdeiro do trono saudita quem mandou assassinar o jornalista Jamal Khashoggi, no mês passado.
O que um país deve ao outro? Lembro-me vivamente de uma aula do saudoso Gérard Lebrun em que ele dizia que, se quiséssemos um exemplo do estado de natureza hobbesiano, bastava olhar para o campo das relações internacionais. Sem uma autoridade central forte que a todos submeta, cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser em relação a seus homólogos.
As principais limitações são a força do adversário, seguida de acordos e tratados internacionais, cuja imposição, entretanto, é fraca, e, no caso de democracias, da repercussão política que as ações possam ter para o público interno.
A resultante desses vetores em nível nacional costuma ser uma política externa pragmática, com algum tempero moral. Com efeito, a maioria das nações desenvolvidas faz restrições à forma como a China trata seus dissidentes, mas nem por isso deixa de comerciar com Pequim.
O tempero moral em geral é só um tempero mesmo. Dificilmente afeta decisões mais permanentes, como a de manter ou não relacionamento comercial e diplomático, mas tende a aparecer diante de situações específicas, como o assassinato de Khashoggi ou o uso de armas químicas pelo governo sírio. Nessas ocasiões, deixar de dar uma resposta veemente, mesmo que sem maiores consequências práticas, é visto como uma atitude imoral por parte do governante.
Até dá para entender os sentimentos envolvidos, mas, quando se olha para o quadro geral, em que predominam os interesses e a dimensão moral ocupa espaço mínimo, é difícil deixar de classificar as relações internacionais como o terreno da hipocrisia institucionalizada.
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