sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e o gasto em saúde e educação

- Folha de S. Paulo

Equipe do presidente pode mudar piso de despesa social e reajuste de aposentadorias

Gente curtida no trabalho de aprovar reformas importantes diz que o Congresso não digere a tramitação de mais do que dois projetos grandes ao mesmo tempo.

Grandes como o quê? Por exemplo, uma reforma da Previdência e um pacote de segurança pública, para dar um exemplo baseado em intenções de Jair Bolsonaro.

A equipe econômica do presidente eleito parece ter ambições maiores, de mexer até em reajuste de aposentadoria e em gasto mínimo com saúde e educação.

No início de 2019, quer levar ao Congresso uma reforma da Previdência mais ou menos à moda daquela de Michel Temer, mas também a refundação previdenciária para o futuro (o regime de capitalização, de poupança individual para a aposentadoria).

Agora, estuda ainda um plano de desindexação das despesas com benefícios previdenciários, saúde e educação.

Trocando em miúdos: em situação excepcional ou de risco de estouro de limite de despesas, do “teto de gastos”, não haveria reajuste do benefício previdenciário nem pela inflação. Além do mais, poderia ser revogada ou suspensa a exigência de gastos mínimos com educação e saúde.

Tudo isso depende também de reforma constitucional, 308 votos na Câmara, duas votações em cada Casa do Legislativo, uma dificuldade imensa, como qualquer leitor de jornal está cansado de saber.

A Constituição determina a manutenção do valor real dos benefícios previdenciários (isto é, reajuste ao menos pela inflação). A emenda constitucional do “teto” acabou com a obrigação de gastar uma certa fatia da receita federal com saúde e educação, mas exige pelo menos o desembolso do equivalente à despesa de 2017 nessas áreas, corrigida pela inflação, mudança aprovada por Temer em 2016.

Não está claro se essas reformas novas entrariam em uma fila de projetos do Ministério da Economia. Poderia ser o caso de tocar a Previdência, em primeiro lugar, seguida talvez da desvinculação de gastos, continuando pela tentativa de reforma tributária e, depois, da mexida em carreiras e salários dos servidores, para tratar apenas dos rolos maiores. É apenas um exemplo.

O pessoal curtido em reformas, gente que trabalhou em equipes econômicas de mais de um governo, fica impressionado com a ambição. Esse seria um programa para anos, um mandato inteiro ou mais, diz um desses veteranos de batalhas parlamentares.

Um outro acredita que mesmo a tramitação da reforma previdenciária de Temer, já mastigada no Congresso, tomaria metade do ano. Uma reforma maior, começando do zero, como a planejada pelo pessoal de Bolsonaro, poderia levar mais de ano.

O fato de o presidente estar fresquinho, tendo sido recém-eleito por maioria folgada, não ajuda? Sim, desde que:

1) aproveite a força política para aprovar um assunto complicado por vez, de preferência começando com a reforma previdenciária que já tramita no Congresso;

2) crie logo uma coordenação política crível;

3) tome cuidado ao se envolver em um confronto sanguinolento pelas presidências da Câmara e do Senado, que pode criar desafetos demais para Bolsonaro.

Esse é apenas o filé das mudanças. Ainda haveria privatizações por fazer, um projeto de abertura comercial que terá oposição amarga de setores industriais, um superministério para organizar e a administração do dia a dia de uma economia em estado crítico.

É uma ambição rara de ver, para comentar a coisa em tom otimista.

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