- Valor Econômico
Venda de dólares não tem relação com política monetária
O mercado financeiro ainda está se acostumando com as mudanças nas intervenções cambiais feitas pelo Banco Central, e a falta de compreensão plena vem provocando volatilidade na cotação do dólar e nos juros.
O ápice dos ruídos ocorreu há duas semanas, quando o BC fez uma venda extraordinária de US$ 560 milhões das reservas internacionais para acalmar o mercado de câmbio, que tinha perdido os parâmetros de preços. A cotação do dólar oscilou muito naquele dia, mas a repercussão mais negativa foi a alta dos juros futuros.
Uma leitura comum entre os operadores foi que, com a intervenção, o Banco Central sinalizou um desconforto com o nível da taxa de câmbio, que chegara a R$ 4,19. A preocupação do BC seria, segundo essa linha de argumentação, com as repercussões da alta do dólar na inflação. Dessa forma, cortaria menos os juros.
Na semana passado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou corrigir essa leitura. "Acreditamos no princípio da separação", disse ele, enfatizando que as intervenções cambiais visam a estabilidade cambial, e a taxa básica, a estabilidade monetária e das flutuações do ciclo econômico.
Parte dos operadores do mercado tende a acreditar que a política monetária deve responder mecanicamente a variações do dólar, um vício que remonta o regime de câmbio administrado da década de 1990. Algumas teorias dizem que Campos, por ser oriundo do mercado financeiro, teria uma preocupação pronunciada com as condições financeiras mais abrangentes da economia, das quais o câmbio é um componente importante.
É uma incompreensão sobre o que tem sido defendido publicamente por Campos. Intervenções sinalizam desconforto do BC não com o nível de câmbio, mas com a má formação de preços no mercado, sobretudo em momentos de falta de liquidez.
A taxa de câmbio importa para a política monetária, mas não é definida pelo BC. Quando o dólar sobe, ocorre uma mudança de preços relativos na economia. O Banco Central tem assumido o compromisso de não reagir com juros maiores se a inflação subir apenas temporariamente à pressão do dólar, baixando mais adiante.
Ajudou pouco, também, o fato de Campos ter falado muito sobre câmbio duas semanas atrás, em depoimento no Senado, no dia em que o mercado já estava disfuncional. Ele afirmou que o real seguia o caminho de outras moedas emergentes, embora tenha reconhecido que ele havia se descolado dos seus pares nos dias anteriores. Tudo correto, mas dito por um banqueiro central soou como conforto com a alta do dólar e pouca disposição para intervir. A sabedoria de gerações de dirigentes do BC diz que, sobre câmbio, quanto mais se fala, pior.
A mudança feita há algumas semanas na forma de o Banco Central intervir no câmbio também vem causando certa confusão. Há muita desconfiança sobre os reais objetivos da política cambial, que parecem múltiplos.
Até então, quando o mercado entrava em parafuso, o BC basicamente vendia dólares no mercado futuro. São contratos liquidados em reais e, por isso, não implicam gasto das reservas internacionais. O BC passou a vender dólares à vista, o que significa queda das reservas. Também está recomprando dólares que havia vendido no mercado futuro. A justificativa oficial é atender à demanda onde ela existe. Mas, até então, quando faltava moeda forte no mercado à vista, a autoridade monetária fazia leilões de empréstimo em dólares, que não provocam uma queda permanente nas reservas.
Economistas, de forma geral, reconhecem que é preciso dar liquidez ao mercado à vista. Em agosto, o fluxo cambial ficou negativo em US$ 8,5 bilhões. Alguns estranham, porém, a escolha de vender dólares à vista, que gasta reservas, em vez de oferecer linhas de empréstimo. Mais recentemente, o BC passou a reduzir as linhas de empréstimo ao mercado.
"Tem gente que diz que a venda definitiva impacta mais o câmbio do que os leilões de linha, porque no leilão de linha haveria a recompra dos dólares pelo BC", afirma o ex-diretor do BC e economista-chefe do UBS Brasil, Tony Volpon. "Não acredito nisso, o mercado não é tão racional assim." Volpon desconfia que o verdadeiro objetivo do BC é vender reservas e usar o dinheiro arrecadado para diminuir a dívida bruta do governo. Ele não está sozinho: muitos especulam no mercado que o Banco Central poderá se desfazer de US$ 70 bilhões de sua posição no mercado futuro, vendendo o mesmo montante de reservas.
O professor da PUC-Rio Marcio Garcia diz que a estratégia do BC deverá reduzir o custo da política cambial. O custo de manter dólares à vista nas reservas, associada a posições passiva no mercado futuro, é a diferença entre a Libor, hoje em cerca de 2,1% ao ano, e o cupom cambial, de cerca de 3,1%. Se, de fato, o BC vender US$ 70 bilhões em reservas, economizaria cerca de R$ 2,8 bilhões por ano. "Não é uma economia desprezível para um país com a situação fiscal atual", diz Garcia.
Campos parece dar indicações indiretas que pretende vender US$ 70 bilhões, ao repetir que gosta de olhar a posição cambial líquida do BC, que exclui os dólares vendidos no mercado futuro. No passado, o BC chegou a anunciar programas de venda de reservas e swaps, definindo valores. Alguns especialistas sugerem o anúncio de um programa espelho de redução de reservas, de US$ 70 bilhões, a ser executado de acordo com as condições do mercado.
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