segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Bruno Carazza* - O teto ameaça desabar

- Valor Econômico

Ministro evitou comprar briga com setores poderosos

O ministro Paulo Guedes gosta de metas ambiciosas e números grandiloquentes. Ainda durante a campanha, no programa Central das Eleições, da Globonews (24/08/2018), o futuro superministro da Economia anunciou sua intenção de zerar o déficit primário no primeiro ano de governo e de obter R$ 2 trilhões com privatizações, vendas de imóveis e concessões até o final do primeiro mandato de Bolsonaro.

No final de janeiro, durante a reunião do Fórum Econômico de Davos, Guedes insistia na tese do déficit zero. Em entrevista ao jornalista Jonathan Ferro, da agência Bloomberg de notícias financeiras, o ministro assegurou que alcançaria a meta logo no primeiro ano do governo com reforma da previdência, cessão onerosa do petróleo, privatizações e concessões, devolução de recursos do BNDES e de outros bancos públicos para a União e um corte de 10% dos subsídios da União.

Apesar do excesso de otimismo do ministro, a dura realidade de Brasília já se impôs. Na proposta de lei orçamentária para 2020 encaminhada ao Congresso, o Ministério da Economia admitiu que a meta não será alcançada em 2019 e nem sequer ao final do mandato de Bolsonaro: a previsão para 2020 é que estaremos no vermelho em R$ 118,9 bilhões.

Ao longo de nossa história recente, o governo brasileiro lidou com o crônico problema fiscal seguindo abordagens muito diferentes. Durante boa parte dos anos 1980 e 1990, empurrou-se a sujeira para debaixo do tapete no período de hiperinflação e nos primeiros anos do Plano Real. Quando a crise internacional bateu à nossa porta em 1999, decidiu-se atuar pelo lado da arrecadação: a carga tributária subiu de uma média de 26,4% do PIB na década de 1990 para 32,2% nos dez anos seguintes, o que foi suficiente para sustentar um dos pilares do tripé macroeconômico, gerando uma sequência de superávits primários superiores a 3% do PIB a partir do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

Com a carga tributária batendo às raias do insuportável, ainda no primeiro governo Lula começou-se a buscar uma solução estrutural para o crescimento das despesas da União. É nessa época que surge, por exemplo, a proposta de Delfim Netto, logo encampada pela equipe de Antonio Palocci, de congelamento das despesas correntes com o objetivo de se zerar o déficit nominal (primário mais juros) num horizonte de 8 anos. Então à frente da Casa Civil, Dilma Rousseff interditou o debate chamando a ideia de "rudimentar".

Essa história de meta, aliás, nunca foi o forte de Dilma ("não vamos colocar meta, mas quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta"). Rendendo-se às pressões de grupos de interesses, seu governo abandonou a perseguição de superávits no moto-contínuo de incentivos tributários, crédito subsidiado e aumentos para o funcionalismo público, que agravaram uma situação já delicada de despesas constitucionais obrigatórias em expansão.

Foi somente em 2016 que o Congresso Nacional, premido pela gravidade do quadro fiscal, adotou pela primeira vez uma medida estrutural para lidar com o descontrole da despesa pública no Brasil. Por meio da Emenda Constitucional nº 95, ficou determinado que por vinte anos os gastos dos três Poderes da União estarão limitados ao reajuste da inflação. Não é exagero dizer que o sucesso no encaminhamento da reforma previdenciária é consequência direta da imposição do teto de gastos - com as despesas de todo o setor público congeladas, o Congresso concordou em atacar a principal causa do descompasso. Na euforia pela vitória do governo no Congresso, frequentemente nos esquecemos que as novas regras apenas reduzirão o crescimento das despesas previdenciárias, estando longe de serem uma solução definitiva para se evitar o caos e equilibrar as contas.

A ideia central na criação do teto, uma solução simples e poderosa da equipe econômica do presidente Temer, foi ressuscitar o processo orçamentário como palco de debates sobre as escolhas governamentais. Existe, porém, uma questão prévia e de difícil solução: nem todos os jogadores têm o mesmo cacife para participar da disputa orçamentária travada perante Poderes Executivo e Legislativo. Assim, impera a lógica da ação coletiva do economista Mancur Olson: na disputa por nacos do orçamento, grupos com melhor capacidade de articulação tendem a prevalecer sobre a massa difusa da sociedade, que acabará pagando a conta.

Analisando a proposta orçamentária enviada pelo governo, fica claro que o time de Paulo Guedes opta pelo caminho mais fácil de evitar conflitos com grupos de interesses bem representados na política brasileira. O mesmo assessor econômico do candidato Bolsonaro, que na campanha afirmara na Globonews que "se depender de mim, não haverá subsídio para setores específicos no Brasil", com menos de um mês como ministro terminou sua entrevista em Davos dizendo que "se eu desejar começar a cortar subsídios aqui e ali, eu perco suporte político".

No orçamento enviado pelo Congresso Nacional o ministério da Economia estima um total de R$ 331 bilhões em subsídios, desonerações, regimes especiais e benefícios de toda a natureza, transferindo renda para os mais variados segmentos da economia brasileira. Sem coragem para atacar esses privilégios fiscais, a proposta de Paulo Guedes distribui o ônus do cumprimento do teto nos ombros de políticas públicas sensíveis para a população e o futuro do país - como a educação, a segurança pública, a pesquisa e o meio-ambiente.

Como diria a sabedoria popular, "em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão". Com um orçamento cada vez mais curto, ministros e parlamentares começam a bombardear a política do teto de gastos, chamando-a de inexequível. A tibieza de Guedes em comprar brigas com setores que lucram parasitando nosso sistema tributário coloca em risco a principal medida estrutural para enfrentar o crônico déficit público brasileiro.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".

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