O Globo
A técnica de propaganda não é nova, mas tem se revelado imbatível em uma sociedade conectada e instantânea como a nossa.
Primeiro, monopoliza-se a atenção da mídia e das redes sociais, lançando mensagens chocantes, radicais, constrangedoras ou agressivas que, por seu conteúdo ou forma, disseminam-se rapidamente e atingem todos os públicos —inclusive, por definição, os que a elas são mais suscetíveis: dos radicais e rabugentos até os que sofrem com a estagnação econômica e o desemprego, passando pela maioria, farta de corrupção e aparelhamento do Estado.
Em seguida vem a reação de intelectuais, jornalistas e outros círculos politizados. E até de autoridades estrangeiras. É a senha para passar-se à fase do desmentido, mais ou menos enfático, a depender da intensidade da reação, variando de uma explicação implausível a uma negativa discreta.
Bolsonaro nega ter ofendido Brigitte Macron ou desmontado a estrutura de proteção ambiental. Witzel pede desculpas à família de Marielle pela quebra covarde da placa que a homenageava. Reincide, ao cair dos céus socando o ar como em Copa do Mundo, mas diz ter celebrado a vida dos reféns, e não a morte do sequestrador (justificada, diga-se). E isso depois de, colérico, atacar os que defendem direitos humanos, dizendo-os assassinos e defensores de bandidos (como o agora morto).
Os desmentidos são evasivos, aparecem com um sorriso maroto ou exibidos tarde da noite. Apaga-se um comentário nas redes. Quando solenes, vêm em notas oficiais do porta-voz ou pronunciamentos em cadeia nacional, lidos sem emoção e com algum enfado. Insinceros, não viralizam nem dão manchetes. Arrefecem a crítica e consolam eleitores constrangidos ou arrependidos, sem correr-se o risco de esmorecer o ódio e o preconceito inoculados nas multidões.
Eis um dos maiores desafios de uma nova política digna desse nome: vencer essa técnica perversa e os seus meios poderosos de comunicação. Contemporizar não é uma alternativa. É preciso alertar e resistir.
*Marcelo Trindade é advogado e professor da PUC-Rio
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