- O Estado de S. Paulo / The Washington Post
No século 21, globalização vai substituir o papel do Estado na economia como divisor ideológico entre os partidos no mundo todo
O Partido Conservador britânico é sem dúvida a organização política mais bem-sucedida da era moderna. Os tories governaram o Reino Unido por quase 60 dos 90 anos desde 1929. Mas hoje estamos vendo o início do fim do Partido Conservador que conhecemos.
Como a maioria dos partidos longevos, os tories tiveram muitas facções e ideologias através dos anos. Contudo, na era pós-2ª Guerra, eles se definiram por uma defesa do livre mercado e de valores tradicionais – uma combinação que teve o auge com Margaret Thatcher, a mais eficiente primeira-ministra tory desde Winston Churchill.
A orientação para o livre mercado fazia sentido. A segunda metade do século 20 foi dominada pelo choque entre comunismo e capitalismo. Partidos no mundo todo se alinharam num espectro esquerda/direita relacionado a um tema central: o papel do Estado na economia.
Hoje, chegamos a uma nova era ideológica, definida por uma divisão “aberto/fechado” – tendo de um lado pessoas que se sentem confortáveis em um mundo com grande abertura em comércio, tecnologia e migração e de outro pessoas que querem mais barreiras, mais protecionismo e mais restrições. Os partidos do futuro possivelmente vão se posicionar dentro desse novo espectro.
Pode-se sentir essa demolição da antiga ordem examinando-se os cinco últimos primeiros-ministros do Reino Unido, dois do Partido Trabalhista e três do Conservador (Tory). Todos eram favoráveis à permanência do Reino Unido na União Europeia (Theresa May votou por permanecer na UE, mas após o referendo ela prometeu obedecer à vontade do povo).
Em contraste, Boris Johnson está refazendo os tories como o partido do Brexit e nesta semana expulsou 21 membros conservadores do Parlamento, incluindo figurões que discordavam da nova linha do partido. Comentaristas britânicos apontaram analogias entre hoje e 1846, quando o primeiro-ministro Robert Pell adotou uma agenda de livre comércio que dividiu o Partido Conservador.
Nenhuma analogia é perfeita, mas quando um partido se divide sobre um grande tema ele geralmente estreita sua base política. Nenhuma situação vai se encaixar perfeitamente no figurino do aberto/fechado. Vários líderes do Brexit são defensores ferrenhos do livre mercado e afirmam que desejam um “Reino Unido global”. Mas não deixa de ser estranho alguém ser favorável ao livre mercado e continuar insistindo que o Reino Unido se afaste da UE, uma das maiores áreas de livre mercado do mundo – e maior parceira comercial do Reino Unido.
Mais significativo é o fato de que, sejam quais forem os pontos de vista dos novos líderes tories, as pessoas que votaram pelo Brexit – e presumivelmente apoiam o que seria essencialmente um novo Partido Tory-Brexit – sigam majoritariamente uma ideologia fechada. Elas suspeitam dos estrangeiros e se ressentem com o Reino Unido cosmopolita que veem em Londres. Querem menos imigração e multiculturalismo. São mais rurais, tradicionalistas, idosas e brancas.
Os EUA, claro, têm uma situação semelhante. Embora muitos dos republicanos que apoiam o presidente Donald Trump possam ser defensores do livre mercado, a base dessa faixa tem as mesmas suspeitas e paixões que motivaram os adeptos do Brexit. O próprio Trump é um onívoro ideológico – apoia mercado e impõe a maior elevação de tarifas desde 1930. O futuro mais provável do Partido Republicano será adaptar-se às preferências de seus eleitores: limites no comércio e imigração e maior hostilidade a empresas de tecnologia.
No Reino Unido, existe confusão também no outro lado. O Partido Trabalhista deslocou-se para a esquerda, mas ainda tem adeptos céticos sobre a União Europeia. Com o tempo, os trabalhistas provavelmente vão se inclinar mais fortemente em direção à Europa e, com os liberais-democratas, tentar criar uma nova maioria governista “aberta”. Nos EUA, os democratas precisam resolver diferenças parecidas.
O que está ocorrendo hoje no Reino Unido é um sinal revelador: é uma lembrança de que vivemos numa era de revoluções políticas. / Tradução de Roberto Muniz
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