Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - Aliados próximos do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), sustentam que não há nada mais emblemático do que as respostas do tucano a jornalistas na Alemanha, no último dia 30 de agosto, para entender a estratégia no enfrentamento com o presidente Jair Bolsonaro. Ao falar do desgaste da imagem do Brasil no exterior, por causa das queimadas na Amazônia, Doria afirmou que o país "precisa ter cuidado" na política ambiental e sugeriu que haja "diálogo, compreensão, entendimento". Além de usar palavras apagadas do dicionário do bolsonarismo, provocou ainda mais: "Em São Paulo não temos desmatamento, ao contrário. É desmatamento negativo".
Para concluir, Doria enfatizou que, no Estado que gerencia, o reflorestamento da Mata Atlântica é possível graças a parcerias com ONGs e instituições de pesquisa. "Esse é um bom caminho que estamos seguindo aqui em São Paulo. Espero que o Brasil também siga na mesma rota." Impossível imaginar, na atual conjuntura, o presidente Bolsonaro admitir cooperações com o terceiro setor e enaltecer a ciência.
Bolsonaro e Doria anteciparam 2022, cada um a sua maneira, e se movimentam mesclando intuição política ou análises de pesquisa. Levantamentos quantitativos e qualitativos dos últimos dias, feitas por grandes institutos e pelos principais partidos políticos do país, orientam os passos de Doria. Bolsonaro elevou o tom não por acaso. É consenso, em qualquer sondagem, seu desgaste de imagem e queda de popularidade. Do lado do tucano, a estratégia será evitar o confronto direto com o presidente, e fazer a comparação de gestão e estilo político sem qualquer referência direta ao capitão do Planalto.
"A aprovação de Bolsonaro em São Paulo é muito semelhante ao perfil dos que também aprovam a gestão Doria. Quem aprova Bolsonaro também aprova Doria. Mas ainda não há como saber se gostam mais de um ou do outro", alerta um experiente especialista em marketing eleitoral, que já atuou em campanhas presidenciais no passado. Além da disputa pelo mesmo eleitorado, o presidente Bolsonaro, pontua este especialista, é um político que tem sufixo, assim como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Existe o bolsonarismo. Não temos o dorismo", observa, salientando a força política de Bolsonaro que não pode ser menosprezada por Doria.
"Bolsonaro chamou João Doria para o ringue, mas no entorno no governador ninguém acha que ele tem que ir para essa briga, ainda mais com discussões tão baixas. O nível dele é outro, não o da escatologia do presidente", disse um aliado do governador, que pediu o anonimato. Doria seguiu o aconselhamento depois que Bolsonaro o acusou de "mamar nas tetas" dos governos petistas e de ter "ejaculação precoce", numa referência à ambição política do governador, que deixou a Prefeitura de São Paulo para disputar eleição de 2018. "Não devolvo a ofensa e nem vou entrar nesta linha de confronto", disse Doria. O governador escalou a mulher, Bia Doria, para responder sobre a metáfora deselegante do presidente para se referir à precocidade de ambições políticas do tucano. Essa, aliás, é outra estratégia: responder a Bolsonaro por meio de terceiros, muito próximos, sem se expor diretamente.
O entorno de Doria sustenta que apenas 15% do eleitorado brasileiro, hoje, pode ser considerado "bolsomito", ou seja, fãs incondicionais de Bolsonaro e que votam nele sob qualquer hipótese. Outros 15% são "Lula Livre", brinca um auxiliar do governador. Sobrariam, então 70%. Neste núcleo, 30% são anti-Bolsonaro e 40% são anti-esquerda e antipetismo. O PSDB nacional, em análises recentes, detectou um fenômeno que hoje parece ser um dos principais desafios para os tucanos nas redes sociais: bots bolsonaristas agem para associar o partido ao PT. Bolsonaro insiste na tática de acusar Doria de ser um direitista de ocasião, obrigando o governador a bater na tecla do antipetismo. Como em política se bate em quem te incomoda, a leitura da equipe de Doria é que os aliados de Bolsonaro consideram que o governador é um rival perigoso.
Se em janeiro parte significativa dos brasileiros demonstrava um entusiasmo pós-eleitoral contagiante com o fim da era petista, em abril ficou claro que o clima havia mudado, segundo Renato Dorgan, especialista em pesquisas qualitativas e estratégia política, do Instituto Travessia. "O eleitor da faixa C2D [que ganha de R$ 768 a R$ 1.625], por exemplo, já não está feliz com o bolsonarismo e o povão acha que em saúde e educação nada mudou, além de achar que ele fala muita bobagem. Não há mais entusiasmo, mas ainda há alguma esperança", aponta Dorgan, que atuou na campanha do Amazonas para o governador Wilson Lima (PSC).
É consensual entre os especialistas em marketing político-eleitoral que Bolsonaro tem um apoio genuíno que varia de 15% a 20%. "É o eleitor que vota nele até debaixo d'água." O alvo de Doria não é esse nicho, aposta Dorgan. "Doria olha para os que votaram em Bolsonaro no primeiro turno com medo do PT ganhar e começa, agora, a adotar um discurso com mais equilíbrio. Do tipo: olha, eu sou de direita, mas sou um gestor melhor. Ele não sai do trilho centro-direita e direita." Como a extrema-direita está ocupada, conclui Dorgan, "Doria está de olho não nos bolsominions, mas em quem deixou de votar no [Geraldo] Alckmin, no [João] Amoêdo, até na Marina [Silva]".
No primeiro turno da eleição de 2018, Bolsonaro teve 46% dos votos válidos, recorda Dorgan. Considerando que pelo menos 18% desses eleitores são fãs, um percentual de pelo menos 25%, 26%, sustenta o pesquisador, "sabem que Bolsonaro não é o homem de seus sonhos". Esse eleitor, explica ele, "gostaria de ver algo de Amoêdo ou de Doria em Bolsonaro", seja um conhecimento maior de economia, seja mais polidez, equilíbrio, ou um perfil de gestão mais adequado ao cargo. "Mas esse eleitorado gosta da verdade em Bolsonaro, o que é um trunfo do presidente sobre Doria", pontua o analista.
Apesar de Doria, hoje, ser um nome consolidado no PSDB para a disputa de 2022, ainda que longe de ser uma unanimidade, integrantes da legenda temem esse arriscado xadrez tão antecipado. "É o nome que temos. Mas ele percebeu que os raios do sol não batem onde ele define", afirma um tucano da velha guarda, referindo-se à simbólica derrota do governador na Executiva Nacional, que impediu a expulsão do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, a despeito de articulações de Doria para expurgá-lo da legenda. "Doria pode ser aquele cachorro que passa pela caça, mas não a identifica", ironiza um político ligado ao núcleo bolsonarista.
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