- Folha de S. Paulo
A ideia da
reforma tributária seria a de mantê-la inalterada
Em algum momento a equipe
econômica do governo terá de admitir que a reforma tributária, além de simplificar nossos
impostos e, idealmente, torná-los mais justos, terá também de aumentar a carga
tributária. Guedes nega enquanto pode qualquer aumento de imposto ou de gastos.
Enquanto isso, o governo
vai aceitando novas despesas. Renda Brasil, investimentos do setor público,
novo Fundeb, capitalização de empresas estatais. O ministro Rogério Marinho propõe
abertamente a agenda de gastos públicos, e a aliança do governo com os partidos
do centrão também empurra nessa direção: não se sela amizades com austeridade.
A carga tributária atual
já está espremida ao limite pelos gastos obrigatórios, que continuam crescendo.
Se a trajetória da dívida pública já era insustentável antes de tudo isso (e
antes dos gastos excepcionais da Covid), agora, então, vai se tornar incontrolável.
Exceto se o governo aumentar a arrecadação.
Talvez a voz mais
eloquente na defesa da flexibilização da agenda fiscal tenha sido o filho
senador do presidente, Flávio Bolsonaro. Em entrevista para O Globo na semana
passada, disse o que muitos membros formais do governo ainda relutam em
admitir: "Acredito que o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar
mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto
social e na infraestrutura".
Ora, e onde é que Guedes
irá "arrumar" esse "dinheirinho"? O próprio ministro sabe a
resposta.
E ainda tem o teto de
gastos. Segundo projeção da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o
teto de gastos já será rompido em 2021 caso não seja feita nenhuma alteração.
Com a inflação baixa que tivemos na primeira metade do ano —comprimida ainda
mais pela pandemia— o aumento de despesas permitido pelo teto para o ano que
vem é de apenas 1,9%. Ainda nos iludimos de que ele será mantido?
O compromisso fiscal —o
imperativo de colocar as contas públicas em ordem, de modo que gerem superávit—
não precisa de grandes decisões para ser abandonado. Não há nada mais fácil do
que ir aceitando esse e aquele gastos a mais (cada um deles pouco relevante em
si mesmo). Por outro lado, é no mínimo antipático negar uma nova despesa; e
propor corte numa já existente é positivamente malvado.
Como Bolsonaro vive pela popularidade de curto prazo e
ainda tem os novos aliados do centrão para agradar, é muito improvável que
banque o discurso da austeridade dos gastos.
A ideia da reforma
tributária seria a de manter a carga tributária inalterada. Troca PIS e Cofins
por CBS; troca encargos de folha por nova CPMF. Mas se ficar no zero a zero não
há como bancar as novas despesas.
O Brasil tem carga
tributária alta —cerca de 34% do PIB— para um país de renda média. Somos,
inclusive, o país capitalista com a maior carga tributária da América Latina.
Mesmo assim, falar em aumento de impostos não é pecado. Se os gastos forem
aumentar mesmo —se Bolsonaro não quiser dizer "não" às demandas por
mais "dinheirinho" que chegam de todos os lados—, é melhor ser
transparente e fazer a discussão agora com clareza do que escamotear um aumento
escondido na reforma —o que não enganará ninguém— ou, pior ainda, empurrar a
bomba fiscal com a barriga na esperança de que no futuro, como que por mágica,
dar-se-á "um jeito". Não precisamos de uma cloroquina das contas
públicas.
*Joel Pinheiro da Fonseca, Economista, mestre em filosofia pela USP.
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