terça-feira, 11 de agosto de 2020

Joel Pinheiro da Fonseca* - Rumo ao aumento de impostos?

- Folha de S. Paulo

A ideia da reforma tributária seria a de mantê-la inalterada

Em algum momento a equipe econômica do governo terá de admitir que a reforma tributária, além de simplificar nossos impostos e, idealmente, torná-los mais justos, terá também de aumentar a carga tributária. Guedes nega enquanto pode qualquer aumento de imposto ou de gastos.

Enquanto isso, o governo vai aceitando novas despesas. Renda Brasil, investimentos do setor público, novo Fundeb, capitalização de empresas estatais. O ministro Rogério Marinho propõe abertamente a agenda de gastos públicos, e a aliança do governo com os partidos do centrão também empurra nessa direção: não se sela amizades com austeridade.

A carga tributária atual já está espremida ao limite pelos gastos obrigatórios, que continuam crescendo. Se a trajetória da dívida pública já era insustentável antes de tudo isso (e antes dos gastos excepcionais da Covid), agora, então, vai se tornar incontrolável. Exceto se o governo aumentar a arrecadação.

Talvez a voz mais eloquente na defesa da flexibilização da agenda fiscal tenha sido o filho senador do presidente, Flávio Bolsonaro. Em entrevista para O Globo na semana passada, disse o que muitos membros formais do governo ainda relutam em admitir: "Acredito que o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na infraestrutura".

Ora, e onde é que Guedes irá "arrumar" esse "dinheirinho"? O próprio ministro sabe a resposta.

E ainda tem o teto de gastos. Segundo projeção da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o teto de gastos já será rompido em 2021 caso não seja feita nenhuma alteração. Com a inflação baixa que tivemos na primeira metade do ano —comprimida ainda mais pela pandemia— o aumento de despesas permitido pelo teto para o ano que vem é de apenas 1,9%. Ainda nos iludimos de que ele será mantido?

O compromisso fiscal —o imperativo de colocar as contas públicas em ordem, de modo que gerem superávit— não precisa de grandes decisões para ser abandonado. Não há nada mais fácil do que ir aceitando esse e aquele gastos a mais (cada um deles pouco relevante em si mesmo). Por outro lado, é no mínimo antipático negar uma nova despesa; e propor corte numa já existente é positivamente malvado.

Como Bolsonaro vive pela popularidade de curto prazo e ainda tem os novos aliados do centrão para agradar, é muito improvável que banque o discurso da austeridade dos gastos.

A ideia da reforma tributária seria a de manter a carga tributária inalterada. Troca PIS e Cofins por CBS; troca encargos de folha por nova CPMF. Mas se ficar no zero a zero não há como bancar as novas despesas.

O Brasil tem carga tributária alta —cerca de 34% do PIB— para um país de renda média. Somos, inclusive, o país capitalista com a maior carga tributária da América Latina. Mesmo assim, falar em aumento de impostos não é pecado. Se os gastos forem aumentar mesmo —se Bolsonaro não quiser dizer "não" às demandas por mais "dinheirinho" que chegam de todos os lados—, é melhor ser transparente e fazer a discussão agora com clareza do que escamotear um aumento escondido na reforma —o que não enganará ninguém— ou, pior ainda, empurrar a bomba fiscal com a barriga na esperança de que no futuro, como que por mágica, dar-se-á "um jeito". Não precisamos de uma cloroquina das contas públicas.

*Joel Pinheiro da Fonseca, Economista, mestre em filosofia pela USP.

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