terça-feira, 11 de agosto de 2020

Míriam Leitão - No centro da crise que devasta o país

- O Globo

A incapacidade de sentir a dor do outro e de viver o elo que liga uma pessoa ao seu próximo. Essa é a característica mais marcante da personalidade do homem que governa o Brasil. Foram muitos os erros que ele cometeu nestes meses do nosso desterro. Vivemos um exílio diferente, porque estamos apartados das virtudes que admiramos no país. Jamais saberemos quantas vidas teriam sido poupadas entre as 100 mil que perdemos se fosse outra a liderança. Carregaremos as dúvidas. Milhares de dúvidas. Dessa falta de sentimento humanitário, surgiram as frases ofensivas como o “e daí?” e o “eu não sou coveiro”.

Os coveiros trabalham duramente, em condições difíceis, em turnos dobrados, sob risco de contaminação em enterros sem choro e sem flores. O luto não tem cerimônia. Fica cravado no peito de cada um. Os que perderam as pessoas que amavam não puderam ser consolados. Não há mais abraços no mundo. Os coveiros viram. A esses profissionais, todo o respeito. Sim, o presidente não é coveiro. Ele não teria a grandeza de ajudar alguém em momento terminal.

Toda vez em que concedeu a frase “lamento as mortes” soou falso, porque era falso. Era seguida de adversativas e da platitude de que todos morreremos. Os médicos e os enfermeiros lutam diariamente para manter a vida, mesmo sabendo do destino final de cada um. Essa é a grandeza de quem trabalha com a sáude humana. Eles, elas podem se olhar no espelho e dizer: hoje venci várias vezes a luta desigual contra a morte. Às vezes, o preço é a própria vida, como a do jovem neurocirurgião Lucas Augusto Pires.


Foram muitas as demonstrações de falta de empatia e de compaixão nestes dolorosos meses. Não há mais o que esperar. Nem em sentimentos, nem em capacidade de liderar o país no meio de uma tragédia. Ele falhou completamente.

A falha cotidiana foi passar a mensagem perigosa de que não era necessário se proteger. A transferência de recursos aos estados e municípios não foi favor, o dinheiro é dos pagadores de impostos. O governo federal adiou o que pôde, com manobras regimentais, com deliberados atrasos burocráticos. Isso custou vidas humanas.


A ajuda às pessoas não foi concessão dele. A proposta saiu do executivo depois de muita pressão dos formadores de opinião, e no Congresso o valor foi elevado. A execução foi desastrosa, com as filas de pessoas lutando por seus direitos e a multiplicação dos casos de fraudes. Montou-se um sistema que negava o auxílio a um bebê porque não tinha CPF, mas entregava o dinheiro a uma pessoa rica sem averiguar sua renda. As linhas para sustentar as empresas em colapso foram tão tardias que falharam.

O governante inúmeras vezes usou a imagem da presidência para vender a ilusão da pílula mágica, produzida aos milhões nos laboratórios do Exército. Criou um tumulto administrativo no Ministério que coordena as ações da saúde. Convocou seus seguidores a invadir hospitais para perseguir a delirante versão de que era mentira a ocupação dos leitos. Quis suprimir os números das mortes. São muitos os crimes. Sim, a palavra é esta: crime.

Ele ofendeu e ameaçou governadores e prefeitos que se preocuparam em proteger a população, criou uma confusão na mensagem para as famílias, manipulou sentimentos conflitantes em um tempo difícil para alimentar a mentira de que não era o responsável. Numa federação e no presidencialismo não há quem substitua o presidente no trabalho de coordenação no enfrentamento de um flagelo coletivo. Isso custou muitas vidas.

Sua atenção esteve em uma pauta estrangeira à vida. Quer armar a população, aumentar o acesso a instrumentos de morte, tirou exclusividades das Forças Armadas em determinados armamentos mais poderosos. Eliminou legislação que permitia o rastreamento. Armas, armas à mão cheia. Esse é o lema do homem que governa o Brasil.

O presidente conspirou contra a democracia. Nos gabinetes fechados e à luz do dia. Estimulou aglomerações de manifestantes contra os poderes da República e alimentou milícias virtuais com ataques às instituições. Gritou ofensas e ameaças. Tudo isso enquanto os brasileiros tentavam se proteger de um inimigo mortal. Conseguiu duplicar as ameaças que pairavam sobre nós. Por semanas seguidas, o país teve que lutar pela vida e pela democracia. O nome disso também é crime. Crime de responsabilidade. Deveria ser punido com seu afastamento da Presidência. Ele não merece a cadeira que ocupa.

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