- Folha de S. Paulo
Estudo argumenta que empatia não apenas não diminui como promove a intolerância política
Em artigo recente
publicado na American Political Science Review,
pesquisadores da Universidade de Houston e da Universidade da Virginia
apresentaram evidências bastante contraintuitivas de que a empatia promove, ao
invés de combater, a polarização política.
Estudos anteriores, de
natureza experimental, tinham sugerido que a empatia por membros de um grupo
estigmatizado (portadores de HIV, por exemplo) reduzia o preconceito e que a
empatia por grupos étnicos e raciais gerava maior apoio a direitos civis de
imigrantes ilegais e acusados de terrorismo.
Havia por isso a suposição
de que a polarização política pudesse estar ligada a uma espécie de déficit de
empatia (como sugeriu, por exemplo, o ex-presidente americano Barack Obama
quando ainda era senador).
Os pesquisadores mediram o
grau de consideração empática por meio do Índice de Reatividade Interpessoal,
uma medida consagrada e bem validada na psicologia, e o correlacionaram com
medidas também amplamente utilizadas na ciência política para medir polarização
afetiva (a hostilidade contra grupos políticos adversários).
A análise mostrou que
quanto mais uma pessoa apresentava uma disposição empática, mais hostilidade
demonstrava contra o campo político adversário. Assim, se era democrata, quanto
mais empático, mais hostilidade demonstrava contra republicanos —e vice-versa.
A explicação para o
fenômeno parece ser o fato bastante conhecido de que a empatia é mais
prontamente experimentada em relação a membros do próprio grupo do que em
relação a membros de outros grupos. Como a polarização afetiva geralmente está
associada à convicção de que a ação do grupo adversário ameaça nosso próprio
grupo e a sociedade em geral, a empatia com o próprio grupo anula e reverte
eventual empatia em relação ao adversário político.
Em outras palavras, como
pessoas de esquerda acreditam que as pessoas de direita ameaçam o bem-estar de
pobres, negros e mulheres, a precedência da empatia para pessoas desses grupos
subalternos não apenas impede qualquer empatia com as pessoas de direita como
intensifica a hostilidade contra elas. O mesmo, claro, acontece com as pessoas
de direita em relação às pessoas de esquerda.
Se é isso mesmo o que está
acontecendo, não estamos vivendo um déficit de empatia. A natureza do nosso
problema parece ser uma hipertrofia das identidades políticas, que intensificam
nosso sentimento de pertencimento a um grupo construído em oposição a um outro,
intolerável, e que vai se tornando efetivamente mais intolerável à medida que é
hostilizado.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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