terça-feira, 11 de agosto de 2020

Pablo Ortellado* - Mais amor por favor?

- Folha de S. Paulo

Estudo argumenta que empatia não apenas não diminui como promove a intolerância política

Em artigo recente publicado na American Political Science Review, pesquisadores da Universidade de Houston e da Universidade da Virginia apresentaram evidências bastante contraintuitivas de que a empatia promove, ao invés de combater, a polarização política.

Estudos anteriores, de natureza experimental, tinham sugerido que a empatia por membros de um grupo estigmatizado (portadores de HIV, por exemplo) reduzia o preconceito e que a empatia por grupos étnicos e raciais gerava maior apoio a direitos civis de imigrantes ilegais e acusados de terrorismo.

Havia por isso a suposição de que a polarização política pudesse estar ligada a uma espécie de déficit de empatia (como sugeriu, por exemplo, o ex-presidente americano Barack Obama quando ainda era senador).

Os pesquisadores mediram o grau de consideração empática por meio do Índice de Reatividade Interpessoal, uma medida consagrada e bem validada na psicologia, e o correlacionaram com medidas também amplamente utilizadas na ciência política para medir polarização afetiva (a hostilidade contra grupos políticos adversários).

A análise mostrou que quanto mais uma pessoa apresentava uma disposição empática, mais hostilidade demonstrava contra o campo político adversário. Assim, se era democrata, quanto mais empático, mais hostilidade demonstrava contra republicanos —e vice-versa.

A explicação para o fenômeno parece ser o fato bastante conhecido de que a empatia é mais prontamente experimentada em relação a membros do próprio grupo do que em relação a membros de outros grupos. Como a polarização afetiva geralmente está associada à convicção de que a ação do grupo adversário ameaça nosso próprio grupo e a sociedade em geral, a empatia com o próprio grupo anula e reverte eventual empatia em relação ao adversário político.

Em outras palavras, como pessoas de esquerda acreditam que as pessoas de direita ameaçam o bem-estar de pobres, negros e mulheres, a precedência da empatia para pessoas desses grupos subalternos não apenas impede qualquer empatia com as pessoas de direita como intensifica a hostilidade contra elas. O mesmo, claro, acontece com as pessoas de direita em relação às pessoas de esquerda.

Se é isso mesmo o que está acontecendo, não estamos vivendo um déficit de empatia. A natureza do nosso problema parece ser uma hipertrofia das identidades políticas, que intensificam nosso sentimento de pertencimento a um grupo construído em oposição a um outro, intolerável, e que vai se tornando efetivamente mais intolerável à medida que é hostilizado.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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