Se ninguém atrapalhar, os
juros básicos serão mantidos em níveis historicamente baixos por longo tempo,
favorecendo a reativação econômica e facilitando a gestão da enorme dívida
pública. Novos cortes até poderão ocorrer, mais moderados e mais espaçados, segundo a ata da última reunião do Copom, o Comitê de
Política Monetária do Banco Central (BC). Nessa reunião, na semana
passada, a política de estímulo ao crédito foi reforçada com mais uma redução
da taxa básica, a Selic, de 2,25% para 2% ao ano. Mas o risco de alguém
atrapalhar é concreto. As principais ameaças estão associadas a interesses do
presidente Jair Bolsonaro, de seus aliados e também de outros grupos atuantes
no Congresso Nacional.
Gastança é o nome popular
desse grande risco. O farol vermelho para o aumento de gastos deverá brilhar na
passagem de 2020 para 2021. Com a pandemia, o Congresso reconheceu o estado de
calamidade e autorizou ações excepcionais até o fim do ano. Encerrado esse
prazo, o governo precisará retomar o conserto de suas finanças. Conter a
expansão da dívida pública será parte da tarefa. Se houver sinais de abandono
ou de afrouxamento desse compromisso, os juros tenderão a subir, adverte o
Copom. Bastará o mercado perder confiança na gestão das contas oficiais.
Sinais de insegurança já aparecem
no mercado e no próprio governo – mais precisamente, naquela área ainda
empenhada em cuidar da saúde fiscal. A do Ministério da Economia, informou o
Estado, planeja mobilizar no Congresso um grupo comprometido com a defesa do
teto de gastos. Esse teto, estabelecido no governo anterior como dispositivo
constitucional, limita o aumento da despesa à taxa de inflação apurada no ano
anterior. A ideia é mostrar aos parlamentares os novos desafios fiscais e as
consequências de um afrouxamento da política no próximo ano.
Para combater a pandemia e
seus efeitos econômicos, o governo assumiu gastos emergenciais e concedeu
facilidades tributárias. Com isso, o déficit primário (sem juros), antes
projetado em R$ 124,1 bilhões, poderá aproximar-se de R$ 800 bilhões. A dívida
bruta do governo geral, programada para ficar no máximo em 80% do Produto
Interno Bruto (PIB), poderá aproximar-se de 100%. Será necessário um esforço
muito grande para repor as finanças públicas, depois do estado de calamidade,
no rumo do ajuste.
Mas do próprio governo
partem sinais alarmantes para o mercado. Integrantes do primeiro escalão
movimentaram-se para consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a
possibilidade de bancar obras de infraestrutura com créditos extraordinários,
evitando o limite. Revelada a manobra em reportagem do Estado, o mercado reagiu
e na segunda-feira o dólar chegou a R$ 5,46, a maior cotação desde maio. Também
no Congresso políticos de vários partidos têm discutido a possibilidade de
afrouxamento do teto ou de prolongamento do estado de calamidade.
O presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, já se declarou contrário a qualquer tentativa de romper a
responsabilidade fiscal. Outros parlamentares provavelmente reforçarão essa
barreira. Mas as pressões pelo relaxamento fiscal são fortes e poderão crescer,
especialmente se forem apoiadas pelo presidente da República, empenhado na
busca da reeleição e na ampliação de sua base parlamentar. Essa base pode
cobrar muito caro por seu apoio. O preço tende a subir quando o presidente é
acuado por denúncias contra sua gestão ou contra seus familiares.
Por enquanto, o Copom se
dispõe a manter os estímulos monetários até as projeções de inflação apontarem
um claro avanço na direção das metas. Neste momento, as estimativas indicam aumentos
gerais de preços abaixo das metas de 4% para 2020, 3,75% para 2021 e 3,50% para
2022. Com a economia em marcha muito lenta os preços dificilmente serão
pressionados para cima. Nem mesmo se sabe se a retomada perderá impulso com o
fim das medidas emergenciais. Essa é uma das dúvidas mencionadas na ata. Mas o
quadro poderá mudar rapidamente, e de forma insegura, se a disciplina fiscal
for ameaçada.
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