- O Estado de S.Paulo
Guinada do
governo afeta projeto liberal do ministro Paulo Guedes
Minha mãe era a rainha dos
adágios. Um dos que ela achava mais divertidos (e politicamente incorretíssimo)
era, se referindo a qualquer pessoa de que não gostasse: “Fulano para idiota só
faltam as penas”. Ao incauto que objetasse que idiota não tem penas, ela
completava, triunfante: “Então não falta nada”. Para o governo Jair
Bolsonaro descambar para o
nacional-desenvolvimentismo, só faltam as penas.
Neste caso, as penas são a
saída de Paulo Guedes. O ministro da
Economia vem resistindo. Haja Karl Popper para justificar, talvez para si
próprio, como continuar acreditando que um governo que colocou as reformas em
banho-maria para comprar um plano do governo Médici recauchutado, ainda pode
ser chamado de liberal.
Na verdade, há algum tempo
já, os bolsonaristas raiz passaram a incluir os liberais no mesmo saco de
pancadas em que colocam comunistas, isentões e outros inimigos imaginários. Os
próprios filhos do presidente entoam a cantilena de que os liberais querem
destruir Bolsonaro.
O pai, revigorado depois de
dar umas trotadas no lombo de uma égua com chapéu de vaqueiro e tomar
cloroquina, só quer saber de Rogério Marinho. O mais político dos ministros
chegou a Guedes embalado em presente e como passaporte para as reformas. E
assim foi: como já tinha entregado a trabalhista para Temer,
Marinho trabalhou à exaustão para aprovar a Previdência.
A partir daí, no entanto,
chefe e chefiado passaram a se estranhar, e o ex-deputado, agora ex-tucano,
passou a pavimentar um caminho próprio dentro do governo, de olho nas eleições
de 2022. Uma aliança com os militares e o “rei do asfalto” Tarcísio Gomes de Freitas surpreendeu
Guedes com um PAC redivivo.
Qualquer um que olhe para as
contas públicas brasileiras, ainda mais agora que tiveram de ser
justificadamente acessadas para conter os efeitos nefastos da pandemia na vida
dos mais desassistidos, de Estados e municípios, sabe que não aguentam uma
reedição do slogan “Ninguém segura este país”.
A não ser no sentido
literal: investir na gastança, com a tentação de pedaladas variadas que estão
em gestação, é ir para o buraco sem que ninguém segure. Guedes não acha que
Bolsonaro represente perigo autoritário. Ou, talvez, sua noção de democracia,
em que costuma conjugar a ordem dos militares e o progresso dos liberais, tenha
sido moldada para tentar validar o ingresso nessa canoa furada.
Mas ele sabe que uma guinada
na agenda econômica deixará pouco ou nada a que ele se agarrar. Agora, o
ministro perde mais duas peças importantes em seu projeto, Salim Mattar (privatizações) e Paulo Uebel (reforma
administrativa). Antes já haviam saído o secretário do
Tesouro, Mansueto Almeida, e o presidente
do Banco do Brasil, Rubem Novaes. O “PG” não escondeu
a frustração.
Seu mantra “mais Brasil e
menos Brasília”, passaporte para reduzir o tamanho do Estado, privatizar o que
fosse possível e fazer as reformas liberais, algumas das quais nem saíram ainda
do papel, foi subvertido, e Brasília voltou a sonhar com um tempo de bonança
que não existe mais.
Até o chamado Orçamento de
Guerra, um engenho construído para permitir gastos urgentes, está sendo olhado
com avidez pelos neodesenvolvimentistas como fonte futura de verba para obras
eleitoreiras. O teto de gastos virou teto solar.
Bolsonaro perdeu as classes
média e alta com seus desvarios negacionistas e seus arreganhos golpistas. Mas
está ganhando força entre os pobres com auxílio emergencial na veia.
É essa mutação que Marinho e
o Centrão enxergaram
ainda no início e querem alimentar, sem pensar no amanhã. A receita é velha.
Foi seguida pelos militares, de quem o capitão é fã, e por Dilma, a quem ele
critica, mas com quem está cada dia mais parecido.
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