quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Míriam Leitão - Debandada é consequência

- O Globo

O programa econômico desmontou antes da debandada da equipe. O governo faria privatizações e nada fez, e isso antes da pandemia. A reforma administrativa foi preparada, levada ao presidente Bolsonaro, que exigiu mudanças, elas foram feitas e ele então engavetou. As reformas se limitaram à mudança nos parâmetros da previdência dos servidores civis e dos trabalhadores do setor privado. A dos militares, a equipe econômica não teve espaço para opinar. Teve que bater continência e aceitar.

Ontem saíram Salim Mattar, que privatizaria, e Paulo Uebel, que faria a reforma administrativa. Assim, no futuro do pretérito. O espanto é que tenham ficado tanto tempo, porque desde o engavetamento da reforma e a não privatização no ano passado, eles já poderiam ter debandado. O ministro Paulo Guedes pelo menos ontem não tentou tapar o sol com a peneira e falou claramente os motivos.

Mattar fingiu o tempo todo que estava comandando o que não existia, o programa de privatização. O que foi vendido no ano passado foram participações de bancos e empresas públicas em outras empresas, ou braços das estatais. Desde o começo isso estava claro. O presidente foi tirando do programa empresas que durante a campanha ele disse ou insinuou que poderia vender.

Petrobras, Banco do Brasil e Petrobras representam 75% dos ativos das empresas no país e 71% do patrimônio líquido. A Eletrobrás é 4% dos ativos, e o BNDES 17%, segundo dados do Boletim das estatais que eu mostrei a Salim Mattar em janeiro, antes, portanto, da pandemia. Eu o entrevistei logo depois que ele havia dito que iria “acelerar a privatização”. 

Ele admitiu que essas estariam fora das vendas. Portanto, não se podia acelerar carro que nem fora ligado. Até na equipe econômica se admitia que o programa estava lento. Nem a venda da Eletrobras, preparada desde o governo Temer, a atual administração conseguiu aprovar no Congresso. E pior, foi criada uma estatal. Quando perguntei a Mattar por que a NAV tinha sido criada, ele me disse que era “por uma questão de segurança nacional”.

Na campanha, Paulo Guedes dizia que privatizaria R$ 1 trilhão, que venderia imóveis que também chegavam a R$ 1 trilhão. E ele afirmou que zeraria o déficit no primeiro ano. Ninguém que entende de números acreditava naquelas cifras voadoras.

Na equipe do Tesouro, houve avanços em redução de gastos, mas eles foram realistas e em nenhum momento prometeram acabar com o déficit no primeiro ano. A chegada da pandemia exigiu um aumento do gasto. E no Tesouro houve a melhor substituição possível, com a saída de Mansueto Almeida e a entrada de Bruno Funchal. Contudo, o desafio é fazer um ajuste com o presidente da República já em declarada e prematura campanha. Ele quer usar a expansão dos gastos como alavanca para 2022.

Ontem estava sendo votada uma MP que o secretário Paulo Uebel era contra e o líder do governo Vitor Hugo encaminhou a favor. A ideia era simplificar, desburocratizar. Mas o projeto acabou aumentando a exigência de compra de assinaturas digitais.

O Brasil já viu várias vezes a briga entre o ministro austero e os ministros gastadores. Não está sendo reeditada agora essa clivagem. O que há é que o programa era irreal e desmoronou, e o ministro da Economia tem concedido mais do que deveria. E claro, os ministros gastadores.

No Fundeb, saiu do Ministério da Economia a proposta que, se adotada, significaria dar um drible no teto de gastos. Depois, a junta orçamentária, composta pelo Ministério da Economia e pela Casa Civil, foi consultar o TCU sobre o uso das sobras orçamentárias. E só sobrou porque houve a execução errada, com recursos extraordinários pagando despesa do orçamento.

Ontem com a saída de Mattar e Uebel, depois de já terem saído Caio Megale, Mansueto, entre outros, Paulo Guedes elevou o tom de voz e disse que quem está aconselhando a furar o teto está empurrando o presidente para o caminho do impeachment. Mas Guedes, ao longo do tempo, fez todas as concessões exigidas por Bolsonaro. Aceitou a inclusão de privilégios corporativos na reforma da Previdência. Não brigou pela reforma administrativa, aceitou que reforma dos militares incluísse aumento de soldos, fez a capitalização de uma estatal militar e criou outra estatal militar. A debandada era previsível e até demorou. 

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