- Valor Econômico
Falta de regras para a campanha permite arbitrariedades
Será uma experiência única e, lamentavelmente,
inesquecível para as atuais gerações. A eleição municipal foi adiada de outubro
para novembro devido à pandemia e por esta será marcada.
As curvas de contaminação a serem observadas no
fim do ano são uma incógnita, assim como os potenciais índices de abstenção.
Mesmo assim, pré-candidatos já conjecturam como podem levar vantagem sobre
adversários. Partidos definem suas estratégias. Traçam cenários de como o vírus
pode influenciar não só a atual disputa, mas também a correlação de forças
políticas para os próximos anos.
Foi neste clima que ocorreram as discussões
sobre a conveniência de se adiar ou não as eleições. Num primeiro momento,
muitos dirigentes partidários se posicionaram mais em defesa dos interesses de
suas próprias legendas do que preocupados com a saúde dos eleitores. Gostariam,
na verdade, de poder adiar para o ano que vem as eleições e que seus
correligionários permanecessem no comando das prefeituras até o fim do estado
de calamidade.
O plano fracassou. Integrantes das cúpulas do
Judiciário e do Legislativo logo impuseram, como condição para que as
discussões avançassem, que os mandatos dos atuais prefeitos, vices e vereadores
não fossem estendidos. Temia-se a criação de um precedente perigoso, num
ambiente radicalizado e com atores relevantes da cena política defendendo, sem
pudor, o desrespeito à institucionalidade.
Esse risco extremo parece ter ficado para trás,
mas não deve ser esquecido. Os números de infecções e mortes, por outro lado,
fazem-se cada vez mais presentes no dia a dia do eleitor. Impedem que se
esqueça a periculosidade do novo coronavírus.
São pouquíssimos os municípios que não
registram casos de covid-19. Menos de 2% do total, segundo um dado recente do
Ministério da Saúde, uma realidade que não deve ser desprezada na hora do voto.
No entanto, definido o novo calendário pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nada mais natural que partidos e
parlamentares passassem a se debruçar sobre o tabuleiro. Por isso é de chamar a
atenção um levantamento recente do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap) sobre o número de pré-candidatos entre deputados federais e
senadores.
De saída, segundo o documento, há 123
congressistas no páreo - 121 deputados e 2 senadores. A tendência é de uma
diminuição desse total, mas hoje ele supera a média histórica de 94
candidaturas de parlamentares em eleições municipais.
Os dados da série do Diap começaram a ser
coletados no pleito de 1992. Em 2016, 81 deputados e 2 senadores entraram na
corrida municipal. Os números de 2012 somaram 87 deputados e 5 senadores. A
eleição que eleva a média é a de 1996, quando 121 congressistas concorreram aos
cargos de prefeito ou vice-prefeito - 117 deputados e 4 senadores.
Alguns fatores explicam esse aumento de
interesse. O fim das coligações proporcionais, por exemplo, faz com que os
partidos cogitem lançar “figurões” capazes de puxar votos em suas chapas. As
capitais são as principais opções das pré-candidaturas dos parlamentares.
São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados com o
maior número de interessados, com respectivamente 15 e 14 nomes. Em seguida,
aparecem Paraná, Minas Gerais e Bahia, com 9 pré-candidatos em cada uma dessas
unidades da federação.
Neuriberg Dias do Rêgo, analista político do
Diap, elenca outros aspectos. Existe também uma maior disponibilidade de
recursos para os parlamentares custearem as campanhas, aponta: além do chamado
fundão eleitoral, o fato de as emendas ao Orçamento terem se tornado impositivas
mudou a dinâmica do jogo.
Elas viraram um ativo valiosíssimo em tempos de
crise econômica e restrição fiscal. Armas poderosas para fazer política na
ponta, movimentar a economia local e promover os próprios congressistas ou seus
aliados.
Muitos dos pré-candidatos no Congresso tentarão
aproveitar a polarização ou a onda que alçou ao poder policiais, religiosos e
representantes da chamada nova política. Acreditam poder influenciar as
disputas em bases eleitorais estratégicas para as eleições majoritárias de 2022
ou, no mínimo, terem mais facilidades para concorrer à reeleição. Entre os
partidos, os destaques do levantamento do Diap são PT (14 pré-candidatos), PSL
(12) e PSB (12).
Contudo, Neuriberg Dias do Rêgo diz acreditar
que o número de pré-candidaturas tende a refluir para a média histórica nas
próximas semanas. O levantamento será atualizado e, claro, concluído quando as
candidaturas definitivas forem registradas no TSE, no fim de setembro.
Apesar da novidade para os eleitores de agora,
esta não será a primeira vez que eleições ocorrem durante uma crise sanitária
de tamanha magnitude.
A gripe espanhola, de 1918, também impactou as
eleições daquele ano. Os registros da “Agência Senado” apontam, segundo
discursos feitos à época, queixas sobre o baixo comparecimento dos eleitores.
Uma das mais notórias vítimas da gripe espanhola no Brasil foi o próprio
presidente eleito, Rodrigues Alves, que nem chegou a tomar posse. Uma outra
eleição fora de época foi realizada.
Hoje, esta saída não está sobre a mesa. Mas
parece inevitável que outra característica do pleito de novembro comece a
ganhar peso: a falta de definição de um padrão nacional para as campanhas em
meio à pandemia.
A intenção do Tribunal Superior Eleitoral é
deixar que Estados e municípios definam como se darão os eventos de rua e os
comícios, o que converge com a postura da Justiça de delegar para os entes
subnacionais a regulamentação dos comportamentos de distanciamento social.
Também pode fazer sentido, quando se pondera a extensão do território nacional
e suas especificidades. Mas vem a ser tudo o que um governador ou um prefeito
pode querer para eventualmente influenciar a campanha, limitando-a ou ampliando
seu alcance, de acordo com seus objetivos políticos. A segurança dos eleitores
pode ficar novamente em segundo plano.
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