“A tendência do presidente
Bolsonaro é forçar a barra para Guedes “furar o teto de gastos”, estabelecendo
exceções, como os gastos com o reaparelhamento das Forças Armadas”
O populismo no Brasil, como
de resto em toda a América Latina, pode ser caracterizado por um arremedo de
Estado de bem-estar social, com uma agenda nacionalista e estatizante, além de
uma legislação trabalhista que concedeu representação e muitos direitos aos
trabalhadores, mas também exacerbou seu corporativismo e lhes tomou a
autonomia. No nosso caso, deixou raízes tão fortes que sobreviveu ao golpe de
1964, serviram de alicerce social para o regime militar por bom período, bem
como renasceram das cinzas durante os governos petistas. Agora, em mais uma das
reviravoltas que nos promove, ressurge como uma tentação para o presidente Jair
Bolsonaro alavancar seu projeto de reeleição em meio à crise causada pela
pandemia da covid-19.
Nosso país vem ficando para
trás na corrida mundial para reinventar o Estado e modernizar a economia, que
sofre o choque de uma crise sanitária sem precedentes e uma brutal recessão
econômica. Sob o impacto de aceleradas inovações tecnológicas, que alteram a
divisão internacional do trabalho, as relações entre capital e trabalho e
também a própria organização do trabalho, a sociedade brasileira se depara com
a necessidade de uma agenda econômica e social robusta, inovadora, que enfrente
o problema do desenvolvimento econômico com menos desigualdades sociais.
Entretanto, nem o governo Bolsonaro nem a oposição são capazes de formular essa
agenda, bloqueada por narrativas ideológicas de caráter liberal-conservador ou
nacionalista-reacionária, no campo oficial, e social-democrata ou
nacional-desenvolvimentista, entre as forças de oposição.
São embarcações à deriva num
mar revolto, sem chance de corrigir o rumo. É aí que o pulo do gato de um
populismo de direita, que misture corporativismo, paternalismo social,
conservadorismo nos costumes e uma recidiva nacional-desenvolvimentista começa
a ganhar força no governo Bolsonaro, com apoio dos militares que compõem o eixo
principal de sua equipe de governo, o que tem tudo a ver com suas concepções
históricas sobre o papel do Estado brasileiro, impregnadas de positivismo e
nacionalismo. O sonho do Brasil potência dormia em berço esplêndido; após a
posse de Bolsonaro, busca um caminho de volta à cena política.
O ciclo de modernização em
curso no Brasil é desigual e socialmente injusto, não se apoia na capacidade
própria da nossa economia, mas em fluxos do comércio mundial nos quais nossa
vocação natural é produzir commodities de minérios e alimentos, o que tem
resultado na progressiva redução de nossa complexidade industrial. Além disso,
a nossa baixa inovação tecnológica também resulta dessas demandas, bem como
toda a ideologia que fomenta essas inovações. Assim, o moderno e o modernoso se
confundem no mundo das narrativas, enquanto a realidade social e econômica
continua amarrada por toda uma estrutura de relações institucionais, econômicas
e sociais com um pé na economia arcaica e outro no atraso cultural. Esse quadro
estressa nosso Estado de direito democrático.
Popularidade
Essa tensão estrutural hoje permeia a vida nacional e tem como epicentro a relação entre a política institucional, cujo desenvolvimento ocorre por meio das instituições da democracia representativa, e as redes sociais, nas quais os diferentes atores se digladiam ao defender suas visões de mundo. Interpretam a realidade de forma distorcida pela perspectiva ideológica, muitas vezes de caráter religioso. Nesse cenário, o projeto ultraliberal de modernização do ministro da Economia, Paulo Guedes, que já tinha contradições com a agenda reacionária de costumes do presidente Bolsonaro, naufragou na pandemia e não tem chance de se restabelecer. Ao mesmo tempo, as medidas de emergência adotadas pelo Congresso para compensar os efeitos sociais e econômicos da pandemia estão chegando ao seu limite.
Essa tensão estrutural hoje permeia a vida nacional e tem como epicentro a relação entre a política institucional, cujo desenvolvimento ocorre por meio das instituições da democracia representativa, e as redes sociais, nas quais os diferentes atores se digladiam ao defender suas visões de mundo. Interpretam a realidade de forma distorcida pela perspectiva ideológica, muitas vezes de caráter religioso. Nesse cenário, o projeto ultraliberal de modernização do ministro da Economia, Paulo Guedes, que já tinha contradições com a agenda reacionária de costumes do presidente Bolsonaro, naufragou na pandemia e não tem chance de se restabelecer. Ao mesmo tempo, as medidas de emergência adotadas pelo Congresso para compensar os efeitos sociais e econômicos da pandemia estão chegando ao seu limite.
Por ironia, essas medidas
econômicas de caráter heterodoxo tiveram impacto favorável à popularidade do
presidente da República, que estava em queda aberta, principalmente no Norte e
Nordeste, entre os mais pobres e os mais jovens. Pode-se dizer que o abono
emergencial caiu no colo de Bolsonaro e passou a ser um vetor de seu projeto de
reeleição, do qual não pretende mais abrir mão. Vem daí sua tentação populista.
A oposição, que não pode apostar no “quanto pior, melhor” nem “pôr mais
azeitona na empada” de Bolsonaro, está perplexa e paralisada diante da
situação, como aquela presa enfeitiçada pela cobra que prepara o bote iminente.
Entretanto, o governo
Bolsonaro está diante de escolhas duras, do tipo, aumentar impostos ou reduzir
as despesas. No primeiro caso, não conta com o apoio da maioria dos políticos,
mas encontra ressonância nos meios empresariais. No segundo, tem apoio da
opinião pública, mas enfrenta resistência feroz das corporações. A tendência de
Bolsonaro é forçar a barra para Guedes “furar o teto de gastos”, estabelecendo
exceções, como os gastos com o reaparelhamento das Forças Armadas. Quando fala
em “desengessar” o Orçamento da União, destinando verbas de despesas
obrigatórias — que normalmente não são executadas para reduzir o deficit fiscal
— em investimentos em obras públicas, faz concessões incompatíveis com seu próprio
projeto. Num momento de grandes mudanças globais, nas quais vamos ficando para
trás, estamos enxugando gelo. O Brasil não tem uma agenda moderna, democrática,
socialmente mais justa e mobilizadora da sociedade.
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