quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Bernardo Mello Franco - Na ONU, Bolsonaro falou para o curralzinho do Alvorada

- O Globo

A pandemia esvaziou o plenário da ONU e obrigou Jair Bolsonaro a mandar seu discurso por vídeo. Para o Brasil, foi um bom negócio. O capitão se dirigiu ao mundo como se estivesse no curralzinho do Alvorada. O país voltou a passar vergonha, mas deixou de gastar com diárias de hotel em Nova York.

Bolsonaro ignorou a comunidade internacional. Falou para seus seguidores fiéis, sem se preocupar com checagens ou desmentidos. Seu discurso empilhou mentiras, distorções e teorias conspiratórias. Tudo o que já estamos acostumados a ouvir por aqui.

O presidente se disse vítima de “uma das mais brutais campanhas de desinformação” sobre a Amazônia e o Pantanal. Em vez de explicar as queimadas, ele atacou quem se preocupa com o fogo. Vociferou sobre “interesses escusos” e brasileiros “impatrióticos”.

Desta vez, ele não tentou culpar o ator Leonardo DiCaprio. Atribuiu os incêndios a caboclos e índios que “queimam seus roçados”. O capitão mirou nos pequenos para proteger os grandes. Deixou de mencionar grileiros e latifundiários que devastam a floresta com a cumplicidade do governo.

Bolsonaro disse ter “tolerância zero com o crime ambiental”. A frase não combina com os fatos. Sua gestão desmontou órgãos de fiscalização, reduziu a aplicação de multas, deu carona a garimpeiros em avião da FAB.


Ao falar da pandemia, o presidente se esquivou da responsabilidade pelas quase 140 mil mortes. Preferiu atacar a imprensa, que teria “disseminado pânico”. Ele ainda fez a tradicional propaganda da cloroquina. Só faltou exibir, mais uma vez, a caixinha do remédio.

De olho no eleitorado evangélico, Bolsonaro disse que o Brasil é um “país cristão” e protestou contra a “cristofobia”. Duas impropriedades. A Constituição afirma que o Estado é laico, e a intolerância só tem sido uma ameaça aos cultos de matriz africana.

O capitão ainda encontrou espaço para elogiar Donald Trump, que o ignorou no discurso seguinte. Não foi só ele. A imprensa internacional mal tomou conhecimento da performance de Bolsonaro. Sinal de que seus delírios não impressionam mais ninguém.

Nenhum comentário: