- O Globo
A pandemia esvaziou o plenário da ONU e obrigou Jair Bolsonaro a mandar
seu discurso por vídeo. Para o Brasil, foi um bom negócio. O capitão se dirigiu
ao mundo como se estivesse no curralzinho do Alvorada. O país voltou a passar
vergonha, mas deixou de gastar com diárias de hotel em Nova York.
Bolsonaro ignorou a comunidade internacional. Falou para seus seguidores
fiéis, sem se preocupar com checagens ou desmentidos. Seu discurso empilhou
mentiras, distorções e teorias conspiratórias. Tudo o que já estamos
acostumados a ouvir por aqui.
O presidente se disse vítima de “uma das mais brutais campanhas de
desinformação” sobre a Amazônia e o Pantanal. Em vez de explicar as queimadas,
ele atacou quem se preocupa com o fogo. Vociferou sobre “interesses escusos” e
brasileiros “impatrióticos”.
Desta vez, ele não tentou culpar o ator Leonardo DiCaprio. Atribuiu os
incêndios a caboclos e índios que “queimam seus roçados”. O capitão mirou nos
pequenos para proteger os grandes. Deixou de mencionar grileiros e
latifundiários que devastam a floresta com a cumplicidade do governo.
Bolsonaro disse ter “tolerância zero com o crime ambiental”. A frase não
combina com os fatos. Sua gestão desmontou órgãos de fiscalização, reduziu a
aplicação de multas, deu carona a garimpeiros em avião da FAB.
Ao falar da pandemia, o presidente se esquivou da responsabilidade pelas
quase 140 mil mortes. Preferiu atacar a imprensa, que teria “disseminado
pânico”. Ele ainda fez a tradicional propaganda da cloroquina. Só faltou
exibir, mais uma vez, a caixinha do remédio.
De olho no eleitorado evangélico, Bolsonaro disse que o Brasil é um
“país cristão” e protestou contra a “cristofobia”. Duas impropriedades. A
Constituição afirma que o Estado é laico, e a intolerância só tem sido uma
ameaça aos cultos de matriz africana.
O capitão ainda encontrou espaço para elogiar Donald Trump, que o ignorou no discurso seguinte. Não foi só ele. A imprensa internacional mal tomou conhecimento da performance de Bolsonaro. Sinal de que seus delírios não impressionam mais ninguém.
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