- Folha de S. Paulo
Na ONU, presidente posou como injustiçado, escondeu barbárie e atribuiu desastres ao acaso
Jair Bolsonaro nunca escondeu suas convicções sobre temas como direitos humanos, meio ambiente e saúde pública. O deputado polemista construiu fama com declarações selvagens e tentou transformar a barbárie em política de governo. Agora, ele quer esconder o fracasso dessas escolhas.
Faltou
coragem ao presidente para defender suas posições primitivas na Assembleia Geral da
ONU, nesta terça (22). No discurso, Bolsonaro posou como injustiçado
e pintou as catástrofes que produziu como frutos de mero acaso.
O
presidente manteve a linha negacionista diante da pandemia do coronavírus, mas
não quis contar a seus pares que fez campanha contra a saúde dos cidadãos. Ele
abriu o pronunciamento dizendo “lamentar cada morte ocorrida”. Se fosse mais
transparente, poderia ter contado quantas vezes deu de ombros para as
vítimas. “Não sou coveiro, tá?”, disse em abril.
Bolsonaro
voltou a culpar a imprensa por disseminar “pânico entre a população”. Faltou
ali a audácia de um líder que previu 800 mortes na pandemia e abriu mão da
responsabilidade por uma crise que já matou mais de 130 mil pessoas.
Alvos
conhecidos do desdém governamental, os povos indígenas inicialmente surgiram no
discurso como propaganda. Num tom de autoelogio, o presidente disse ter ajudado
200 mil famílias na pandemia. Preferiu não revelar que vetou o projeto que o obrigava a fornecer água potável,
produtos de higiene e leitos hospitalares a essa população.
Os
indígenas também foram acusados por incêndios florestais, como consequência da
queima do roçado. Bolsonaro omitiu o fato de que a Polícia Federal atribui
parte das queimadas à ação criminosa de fazendeiros. Ele também não reproduziu
a desfaçatez com que o governo nega o próprio fogo e desmonta órgãos de
controle.
O
governo fingiu falar grosso com o crime ambiental e afirmou manter uma
“política de tolerância zero” nessa área. Na vida real, Bolsonaro é bem mais
manso com os infratores. No ano passado, ele prometeu descumprir a norma
que determina a destruição de máquinas usadas no desmatamento.
O
presidente também parecia outra pessoa ao enaltecer por três vezes a ação do
Brasil na defesa dos direitos humanos. Seria mais honesto aparecer como o
político que defende a execução sumária de suspeitos e que, em 2006 e 2016,
escreveu que os direitos humanos eram “o esterco da vagabundagem”.
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