quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais

Na ONU, Bolsonaro nada explica sobre queimadas – Opinião | Valor Econômico

Sem levar a sério a preservação do ambiente, será cada vez mais difícil fazer negócios - qualquer negócio

A abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (75 anos), com um discurso do presidente Jair Bolsonaro, e, na sequência, outro do presidente dos EUA, Donald Trump, ilustrou o que representa a guinada do multilateralismo para um nacionalismo primitivo e tosco. Bolsonaro e Trump mostraram vários pontos em comum em suas palavras. O Brasil tem o segundo maior número de vítimas da covid-19 (137 mil) e os EUA, o primeiro (200 mil), mas seus dois presidentes gastaram tempo para explicar porque consideram ter feito um grande trabalho a respeito. Trump pôs a culpa na China, enquanto Bolsonaro jogou a responsabilidade na mídia, que “politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população”. Trump encerrou sua fala como se estivesse em seu clube de golpe dando conselho a amigos: “Estou orgulhosamente colocando os EUA em primeiro lugar, assim como vocês deveriam colocar seus países em primeiro lugar”.

Bolsonaro fez basicamente um discurso defensivo, e, como era esperado, debitou as queimadas devastadoras na Amazônia e no Pantanal a “interesses escusos” que visam “prejudicar o Brasil”. Na véspera, o ministro do GSI, general Augusto Heleno, foi um pouco mais enfático, ao dizer que esse conluio entre organizações, países e personalidades que criticam a fogaréu desmedido na Amazônia buscam “derrubar o governo de Jair Bolsonaro”. Em 2019, nessa mesma época, a floresta já ardia, mas Bolsonaro dedicou seu tempo na ONU a perorar contra o socialismo, a Venezuela, Cuba, o Foro de São Paulo, deixando em segundo plano a Amazônia.

 “O Brasil é líder em preservação de florestas tropicais”, disse Bolsonaro, que deveria usar o verbo no passado para ser fiel à realidade. O presidente de um governo ativamente engajado em desmontar as estruturas de proteção ao ambiente negou sua responsabilidade nos incêndios criminosos, declarando-se “vítima de uma brutal campanha” com interesses comerciais de países que não conseguem competir com o Brasil.

Resta explicar então ao planeta o aumento das queimadas, um paradoxo para o qual o governo não tem justificativas críveis, mas apenas hipóteses estranhas. Anteontem, o general Augusto Heleno deu a entender que a Amazônia sofre de auto-combustão espontânea (“fenômenos naturais”). Em seu discurso na ONU, Bolsonaro apresentou outra versão, igualmente extravagante. “Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior”, disse. “Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”.

Se é possível entender alguma coisa dessa algaravia, é que não há aumento do desmatamento, mas sempre o mesmo fogaréu, no mesmo lugar, provocado por caboclos e índios em um ciclo ancestral de plantio que depende do fogo.

Para decifrar esse enigma, que os satélites do Inpe desmentem, o governo destinará R$ 578 milhões para o Ministério da Defesa adquirir novos sistemas de detecção que indicarão provavelmente a mesma coisa: grileiros, garimpeiros e fazendeiros inescrupulosos destruindo a floresta, como ocorre há décadas e cuja ação se intensificou agora porque o governo simplesmente desmontou a vigilância e a fiscalização e desistiu de puni-los.

A pressão para que o governo brasileiro faça algo aumentou muito e agora vem não mais apenas de Ongs, mas de banqueiros, investidores, cadeias de supermercados e países que se empenham para ampliar suas ações contra o aquecimento global. Uma das consequências evidentes, para o qual o governo já foi alertado, é a de que a União Europeia, por exemplo, tende a não permitir no futuro a compra de bens de países que agridem a natureza e destroem o ambiente. Ainda que seu efeito seja protecionista, não faz sentido obrigar 27 países a adotarem normas custosas por décadas para permitir que quem não fez sacrifícios se iguale aos que fizeram.

Ontem, o general Augusto Heleno subiu alguns decibéis em suas invectivas e disse que o governo pode retaliar países que boicotem produtos brasileiros por questões ambientais. É possível que tarifas sejam impostas pelo maior bloco comercial do planeta, a UE, mas isso parece ser apenas um detalhe diante do destemor brasileiro. Mas há uma encrenca séria a ser desarmada no acordo UE-Mercosul e não será com bravatas que isso vai acontecer. Sem levar a sério a preservação do ambiente, será cada vez mais difícil fazer negócios - qualquer negócio.

Bolsonaro não ajuda o Brasil na ONU – Opinião | O Globo

É impossível dar explicações que tirem do governo responsabilidades sobre o meio ambiente e a pandemia


No segundo discurso que fez na abertura de uma Assembleia Geral das Nações Unidas, a 75ª, o presidente Jair Bolsonaro perdeu a chance de amenizar o mau humor mundial com o Brasil. No ano passado, distribuiu um cartão de visitas de agressividade ao defender a soberania na Amazônia — obsessão de militares —, atacar o socialismo, Venezuela, Cuba e a imprensa. Desta vez, em vídeo, até mudou de tom para apaziguar os ânimos. Mas foi na essência o mesmo Bolsonaro de sempre. Pôs a culpa dos incêndios em índios e caboclos, citou uma mirabolante “campanha de desinformação” sobre as queimadas e soltou os assovios de praxe a seus acólitos (“cloroquina”, “cristofobia” etc.).

Se Bolsonaro se mostrou mais sereno, o bolsonarismo de raiz ficou no Brasil, representado pelo ministro Augusto Heleno, que, em audiência no Supremo para tratar da questão ambiental, disse segunda-feira que não se pode atribuir ao governo a responsabilidade por desmatamentos e queimadas. As denúncias, afirmou, não passam de plano para “derrubar o presidente”.

O mesmo cacoete paranoico surgiu no discurso presidencial. Na pandemia, disse Bolsonaro, “parcela da imprensa brasileira politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população”. Na visão delirante da mais grave epidemia em cem anos, insistiu que foi um erro promover o isolamento social e deixar “a economia para depois”. Aos mortos, só uma referência protocolar.

Como esperado, nada de reconhecer a gravidade da tragédia ambiental no país. Na última sexta-feira, escolheu logo Sinop, no Mato Grosso, para ensaiar explicações sobre uma das piores, senão a pior, temporadas de queimadas no Pantanal. Ao discursar para empresários do agronegócio, minimizou o desastre. Afirmou que o fogo de queimadas “acontece ao longo dos anos”. Só esqueceu que não na dimensão atual. O Ibama estimava que o fogo já destruíra quase 20% do bioma pantaneiro. No discurso de ontem, acusou índios e caboclos por incêndios “que ocorrem sempre nos mesmo lugares”, para preparar “roçados em em áreas já desmatadas”. Desmentiu os satélites.

Bolsonaro repetiu na ONU que as denúncias e críticas à tragédia do Centro-Oeste e da Amazônia se devem apenas à reação interesseira de concorrentes do Brasil no mercado mundial de commodities. Como considera as organizações não governamentais comunistas e desconfia da Ciência, não lê e nem ouve ponderações dos próprios empresários. A mobilização interna de grandes grupos empresariais é, por sinal, a maior esperança para que o Planalto abandone a trajetória suicida.

Queira-se ou não, os europeus, diante das motosserras e das chamas, encontraram o pretexto ideal para deixar de homologar o acordo comercial com o Mercosul. Dizem que não querem contribuir para mais devastação ao comprar carnes e grãos do bloco. Temem mesmo é competir com Brasil e Argentina. Ao compactuar com a destruição da floresta, Bolsonaro continuará a fazer a alegria dos protecionistas.

Fantasia de presidente – Opinião | Folha de S. Paulo

Ao negar desgoverno na pandemia e devastação ambiental, Bolsonaro foge da realidade na ONU

 Com o Brasil cada vez mais pressionado na esfera internacional em razão do retrocesso na área ambiental, seria de imaginar que Jair Bolsonaro aproveitasse a tribuna privilegiada da Assembleia Geral das Nações Unidas para oferecer um diagnóstico honesto dos problemas que afligem o país e defender medidas para o seu enfrentamento.

O que se viu nesta terça (22), porém, foi um presidente que se nega a reconhecer a realidade à vista de todos, atitude que só contribui para alimentar desconfianças de investidores e parceiros comerciais.

Como se não existissem dados de satélites a comprovar praticamente mês a mês o aumento do desmatamento e das queimadas, Bolsonaro optou por uma narrativa persecutória ao atribuir as notícias sobre o assunto a uma campanha internacional de desinformação.

Na ficção presidencial, o fogo que grassa na Amazônia seria causado pela agricultura de subsistência de índios e caboclos em áreas desflorestadas no passado, quando os dados apontam regiões de desmatamento mais recente, com a função precípua de limpá-las para a formação de pastos para a pecuária.

Bolsonaro não se saiu melhor ao falar do enfrentamento da pandemia de Covid-19. Incapaz de coordenar esforços na linha de frente do combate ao coronavírus, que já ceifou a vida de quase 140 mil brasileiros, tratou de inculpar outros.

Reafirmou críticas às medidas de isolamento social preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, apontou o dedo para o Judiciário e para os governadores, e acusou mais uma vez a imprensa de disseminar o pânico na população.

O tom do pronunciamento gravado, lido em seu estilo claudicante, pareceu até comedido se comparado com a exibição na reunião da ONU no ano passado, quando o mandatário recém-empossado aproveitou a chance para defender a ditadura militar e investir contra o socialismo e outros fantasmas.

Como se tivesse optado por vestir fantasia de estadista desta vez, Bolsonaro fez profissão de fé no liberalismo econômico, celebrou a reforma da Previdência Social e se declarou comprometido com mudanças nos impostos e nos gastos com o funcionalismo público.

Mas o verdadeiro Bolsonaro estava ali também, indisfarçável, na adulação ao presidente americano, Donald Trump, cuja política externa foi enaltecida, e no apelo contra o preconceito religioso, que classificou como cristofobia.

Acima de tudo, a apresentação foi marcada pela insistência de Bolsonaro em se refugiar numa realidade paralela, cuja falsidade é facilmente demonstrável, e que só encontra eco entre os apoiadores mais fanáticos —uma retórica flácida que, em vez de convencer, só atesta sua inaptidão para governar.

Mendacidade na ONU – Opinião | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro usou os holofotes da Assembleia-Geral da ONU para reiterar suas irresponsáveis imposturas acerca de graves temas

Como se estivesse em uma de suas corriqueiras “lives” nas redes sociais, nas quais fala o que lhe dá na telha e dá livre curso às mais delirantes teorias conspirativas, o presidente Jair Bolsonaro usou os holofotes da abertura da Assembleia-Geral da ONU para reiterar suas irresponsáveis imposturas acerca de graves temas.

A vergonha só não foi maior porque depois de Bolsonaro quem discursou foi seu guia, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que estava mais afiado do que nunca – entre outras barbaridades, ele defendeu que a ONU responsabilize a China pela pandemia.

Como sempre colocando seus estreitos objetivos eleitoreiros acima dos interesses do País, Bolsonaro começou seu discurso reiterando pela enésima vez a farsa segundo a qual, “por decisão judicial”, todas as medidas de isolamento para combater a pandemia de covid-19 “foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação”. Todos sabem, contudo, que não houve nenhuma decisão judicial com esse teor.

Há tempos o Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceu que, conforme o princípio federativo expresso na Constituição, o governo federal não podia anular unilateralmente decisões de governos estaduais e municipais para combater a pandemia, como pretendia Bolsonaro, mas isso não o eximiu de cumprir as responsabilidades próprias da União.

Sem nenhum compromisso com os fatos, contudo, o presidente Bolsonaro reafirmou a patranha segundo a qual seu governo foi dispensado judicialmente de responsabilidade sobre a múltipla tragédia. Acrescentou, como se isso não bastasse, que grande parte da crise foi causada pela imprensa, que “politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população”. “Sob o lema ‘fique em casa’ e ‘a economia a gente vê depois’, quase trouxeram o caos ao país”, acrescentou o presidente, repetindo para uma audiência internacional o discurso falaz que costuma fazer em seus rompantes mitingueiros.

E tudo isso resume apenas os cinco primeiros parágrafos do pronunciamento, obviamente destinado não a mudar a imagem do Brasil, visto hoje como pária em muitos círculos internacionais, mas sim a reafirmar aos bolsonaristas fanáticos a disposição do presidente de continuar a ser o Bolsonaro de sempre.

Assim, Bolsonaro pintou na ONU o quadro de um Brasil glorioso, que “alimenta o mundo” e que avança a despeito dos muitos inimigos – nunca nomeados e desde sempre interessados apenas em obstar o sucesso do País. O Brasil, disse Bolsonaro, “desponta como o maior produtor mundial de alimentos” e, por isso, segundo seu raciocínio, “há tanto interesse em propagar desinformações sobre nosso meio ambiente”.

“Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”, disse Bolsonaro, negando o que todos são capazes de ver, isto é, o aumento substancial da destruição daqueles biomas sob seu governo – que sustenta um discurso irresponsável de desenvolvimento baseado no relaxamento da legislação ambiental.

“A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil”, declarou Bolsonaro. Na mesma linha da conspiração, em audiência no STF acerca da questão ambiental, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, havia dito que “não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso em seu objetivo, obviamente oculto, mas evidente, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”.

Assim, os próceres do governo Bolsonaro não se envergonham de levar às mais altas tribunas as teses mais doidivanas acerca de temas de enorme relevância para o Brasil e o mundo, apostando na confusão. Debalde: como mostra a crescente fuga de investidores estrangeiros, cada vez menos gente cai nessa conversa, que só prejudica a nação brasileira.

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