Na ONU, Bolsonaro nada explica sobre queimadas – Opinião | Valor Econômico
Sem levar a sério a preservação do ambiente, será cada vez mais difícil fazer negócios - qualquer negócio
A abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (75 anos), com um discurso do presidente Jair Bolsonaro, e, na sequência, outro do presidente dos EUA, Donald Trump, ilustrou o que representa a guinada do multilateralismo para um nacionalismo primitivo e tosco. Bolsonaro e Trump mostraram vários pontos em comum em suas palavras. O Brasil tem o segundo maior número de vítimas da covid-19 (137 mil) e os EUA, o primeiro (200 mil), mas seus dois presidentes gastaram tempo para explicar porque consideram ter feito um grande trabalho a respeito. Trump pôs a culpa na China, enquanto Bolsonaro jogou a responsabilidade na mídia, que “politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população”. Trump encerrou sua fala como se estivesse em seu clube de golpe dando conselho a amigos: “Estou orgulhosamente colocando os EUA em primeiro lugar, assim como vocês deveriam colocar seus países em primeiro lugar”.
Bolsonaro fez basicamente um discurso defensivo, e, como era esperado, debitou as queimadas devastadoras na Amazônia e no Pantanal a “interesses escusos” que visam “prejudicar o Brasil”. Na véspera, o ministro do GSI, general Augusto Heleno, foi um pouco mais enfático, ao dizer que esse conluio entre organizações, países e personalidades que criticam a fogaréu desmedido na Amazônia buscam “derrubar o governo de Jair Bolsonaro”. Em 2019, nessa mesma época, a floresta já ardia, mas Bolsonaro dedicou seu tempo na ONU a perorar contra o socialismo, a Venezuela, Cuba, o Foro de São Paulo, deixando em segundo plano a Amazônia.
“O Brasil é líder em preservação de florestas tropicais”, disse Bolsonaro, que deveria usar o verbo no passado para ser fiel à realidade. O presidente de um governo ativamente engajado em desmontar as estruturas de proteção ao ambiente negou sua responsabilidade nos incêndios criminosos, declarando-se “vítima de uma brutal campanha” com interesses comerciais de países que não conseguem competir com o Brasil.
Resta explicar então ao planeta o aumento das queimadas, um paradoxo para o qual o governo não tem justificativas críveis, mas apenas hipóteses estranhas. Anteontem, o general Augusto Heleno deu a entender que a Amazônia sofre de auto-combustão espontânea (“fenômenos naturais”). Em seu discurso na ONU, Bolsonaro apresentou outra versão, igualmente extravagante. “Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior”, disse. “Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”.
Se é possível entender alguma coisa dessa algaravia, é que não há aumento do desmatamento, mas sempre o mesmo fogaréu, no mesmo lugar, provocado por caboclos e índios em um ciclo ancestral de plantio que depende do fogo.
Para decifrar esse enigma, que os satélites do Inpe desmentem, o governo destinará R$ 578 milhões para o Ministério da Defesa adquirir novos sistemas de detecção que indicarão provavelmente a mesma coisa: grileiros, garimpeiros e fazendeiros inescrupulosos destruindo a floresta, como ocorre há décadas e cuja ação se intensificou agora porque o governo simplesmente desmontou a vigilância e a fiscalização e desistiu de puni-los.
A pressão para que o governo brasileiro faça algo aumentou muito e agora vem não mais apenas de Ongs, mas de banqueiros, investidores, cadeias de supermercados e países que se empenham para ampliar suas ações contra o aquecimento global. Uma das consequências evidentes, para o qual o governo já foi alertado, é a de que a União Europeia, por exemplo, tende a não permitir no futuro a compra de bens de países que agridem a natureza e destroem o ambiente. Ainda que seu efeito seja protecionista, não faz sentido obrigar 27 países a adotarem normas custosas por décadas para permitir que quem não fez sacrifícios se iguale aos que fizeram.
Ontem, o general Augusto Heleno subiu alguns decibéis em suas invectivas e disse que o governo pode retaliar países que boicotem produtos brasileiros por questões ambientais. É possível que tarifas sejam impostas pelo maior bloco comercial do planeta, a UE, mas isso parece ser apenas um detalhe diante do destemor brasileiro. Mas há uma encrenca séria a ser desarmada no acordo UE-Mercosul e não será com bravatas que isso vai acontecer. Sem levar a sério a preservação do ambiente, será cada vez mais difícil fazer negócios - qualquer negócio.
Bolsonaro não ajuda o Brasil na ONU –
Opinião | O Globo
É impossível dar explicações que tirem do governo responsabilidades sobre o meio ambiente e a pandemia
No segundo discurso que fez na abertura de uma Assembleia Geral das
Nações Unidas, a 75ª, o presidente Jair Bolsonaro perdeu a chance de amenizar o
mau humor mundial com o Brasil. No ano passado, distribuiu um cartão de visitas
de agressividade ao defender a soberania na Amazônia — obsessão de militares —,
atacar o socialismo, Venezuela, Cuba e a imprensa. Desta vez, em vídeo, até
mudou de tom para apaziguar os ânimos. Mas foi na essência o mesmo Bolsonaro de
sempre. Pôs a culpa dos incêndios em índios e caboclos, citou uma mirabolante
“campanha de desinformação” sobre as queimadas e soltou os assovios de praxe a
seus acólitos (“cloroquina”, “cristofobia” etc.).
Se Bolsonaro se mostrou mais sereno, o bolsonarismo de raiz ficou no
Brasil, representado pelo ministro Augusto Heleno, que, em audiência no Supremo
para tratar da questão ambiental, disse segunda-feira que não se pode atribuir
ao governo a responsabilidade por desmatamentos e queimadas. As denúncias,
afirmou, não passam de plano para “derrubar o presidente”.
O mesmo cacoete paranoico surgiu no discurso presidencial. Na pandemia,
disse Bolsonaro, “parcela da imprensa brasileira politizou o vírus,
disseminando o pânico entre a população”. Na visão delirante da mais grave
epidemia em cem anos, insistiu que foi um erro promover o isolamento social e
deixar “a economia para depois”. Aos mortos, só uma referência protocolar.
Como esperado, nada de reconhecer a gravidade da tragédia ambiental no
país. Na última sexta-feira, escolheu logo Sinop, no Mato Grosso, para ensaiar
explicações sobre uma das piores, senão a pior, temporadas de queimadas no
Pantanal. Ao discursar para empresários do agronegócio, minimizou o desastre.
Afirmou que o fogo de queimadas “acontece ao longo dos anos”. Só esqueceu que
não na dimensão atual. O Ibama estimava que o fogo já destruíra quase 20% do
bioma pantaneiro. No discurso de ontem, acusou índios e caboclos por incêndios
“que ocorrem sempre nos mesmo lugares”, para preparar “roçados em em áreas já
desmatadas”. Desmentiu os satélites.
Bolsonaro repetiu na ONU que as denúncias e críticas à tragédia do
Centro-Oeste e da Amazônia se devem apenas à reação interesseira de
concorrentes do Brasil no mercado mundial de commodities. Como considera as
organizações não governamentais comunistas e desconfia da Ciência, não lê e nem
ouve ponderações dos próprios empresários. A mobilização interna de grandes
grupos empresariais é, por sinal, a maior esperança para que o Planalto
abandone a trajetória suicida.
Queira-se ou não, os europeus, diante das motosserras e das chamas, encontraram o pretexto ideal para deixar de homologar o acordo comercial com o Mercosul. Dizem que não querem contribuir para mais devastação ao comprar carnes e grãos do bloco. Temem mesmo é competir com Brasil e Argentina. Ao compactuar com a destruição da floresta, Bolsonaro continuará a fazer a alegria dos protecionistas.
Fantasia de
presidente – Opinião | Folha de S. Paulo
Ao negar
desgoverno na pandemia e devastação ambiental, Bolsonaro foge da realidade na
ONU
O que se viu nesta terça (22), porém, foi um presidente que se
nega a reconhecer a realidade à vista de todos, atitude que só contribui para
alimentar desconfianças de investidores e parceiros comerciais.
Como se não existissem dados de satélites a comprovar praticamente mês a mês o aumento do desmatamento e das queimadas, Bolsonaro optou por uma narrativa persecutória ao atribuir as notícias sobre o assunto a uma campanha internacional de desinformação.
Na ficção presidencial, o fogo que grassa na Amazônia seria
causado pela agricultura de subsistência de índios e caboclos em áreas
desflorestadas no passado, quando os dados apontam regiões de desmatamento mais
recente, com a função precípua de limpá-las para a formação de pastos para a
pecuária.
Bolsonaro não se saiu melhor ao falar do enfrentamento da pandemia de Covid-19. Incapaz de coordenar esforços na linha de frente do combate ao coronavírus, que já ceifou a vida de quase 140 mil brasileiros, tratou de inculpar outros.
Reafirmou críticas às medidas de isolamento social preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, apontou o dedo para o Judiciário e para os governadores, e acusou mais uma vez a imprensa de disseminar o pânico na população.O tom do pronunciamento gravado, lido em seu estilo claudicante, pareceu até comedido se comparado com a exibição na reunião da ONU no ano passado, quando o mandatário recém-empossado aproveitou a chance para defender a ditadura militar e investir contra o socialismo e outros fantasmas.
Como se tivesse optado por vestir fantasia de estadista desta vez, Bolsonaro fez profissão de fé no liberalismo econômico, celebrou a reforma da Previdência Social e se declarou comprometido com mudanças nos impostos e nos gastos com o funcionalismo público.
Mas o verdadeiro Bolsonaro estava ali também, indisfarçável, na adulação ao presidente americano, Donald Trump, cuja política externa foi enaltecida, e no apelo contra o preconceito religioso, que classificou como cristofobia.
Acima de tudo, a apresentação foi marcada pela insistência de Bolsonaro em se refugiar numa realidade paralela, cuja falsidade é facilmente demonstrável, e que só encontra eco entre os apoiadores mais fanáticos —uma retórica flácida que, em vez de convencer, só atesta sua inaptidão para governar.
Mendacidade na ONU – Opinião | O Estado
de S. Paulo
Jair Bolsonaro usou os holofotes da Assembleia-Geral da ONU para reiterar suas irresponsáveis imposturas acerca de graves temas
Como se estivesse em uma de suas
corriqueiras “lives” nas redes sociais, nas quais fala o que lhe dá na telha e
dá livre curso às mais delirantes teorias conspirativas, o presidente Jair
Bolsonaro usou os holofotes da abertura da Assembleia-Geral da ONU para
reiterar suas irresponsáveis imposturas acerca de graves temas.
A vergonha só não foi maior porque
depois de Bolsonaro quem discursou foi seu guia, o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, que estava mais afiado do que nunca – entre outras
barbaridades, ele defendeu que a ONU responsabilize a China pela pandemia.
Como sempre colocando seus estreitos
objetivos eleitoreiros acima dos interesses do País, Bolsonaro começou seu
discurso reiterando pela enésima vez a farsa segundo a qual, “por decisão judicial”,
todas as medidas de isolamento para combater a pandemia de covid-19 “foram
delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação”. Todos
sabem, contudo, que não houve nenhuma decisão judicial com esse teor.
Há tempos o Supremo Tribunal Federal
(STF) esclareceu que, conforme o princípio federativo expresso na Constituição,
o governo federal não podia anular unilateralmente decisões de governos
estaduais e municipais para combater a pandemia, como pretendia Bolsonaro, mas
isso não o eximiu de cumprir as responsabilidades próprias da União.
Sem nenhum compromisso com os fatos,
contudo, o presidente Bolsonaro reafirmou a patranha segundo a qual seu governo
foi dispensado judicialmente de responsabilidade sobre a múltipla tragédia.
Acrescentou, como se isso não bastasse, que grande parte da crise foi causada
pela imprensa, que “politizou o vírus, disseminando o pânico entre a
população”. “Sob o lema ‘fique em casa’ e ‘a economia a gente vê depois’, quase
trouxeram o caos ao país”, acrescentou o presidente, repetindo para uma
audiência internacional o discurso falaz que costuma fazer em seus rompantes
mitingueiros.
E tudo isso resume apenas os cinco
primeiros parágrafos do pronunciamento, obviamente destinado não a mudar a
imagem do Brasil, visto hoje como pária em muitos círculos internacionais, mas
sim a reafirmar aos bolsonaristas fanáticos a disposição do presidente de
continuar a ser o Bolsonaro de sempre.
Assim, Bolsonaro pintou na ONU o quadro
de um Brasil glorioso, que “alimenta o mundo” e que avança a despeito dos
muitos inimigos – nunca nomeados e desde sempre interessados apenas em obstar o
sucesso do País. O Brasil, disse Bolsonaro, “desponta como o maior produtor
mundial de alimentos” e, por isso, segundo seu raciocínio, “há tanto interesse
em propagar desinformações sobre nosso meio ambiente”.
“Somos vítimas de uma das mais brutais
campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”, disse Bolsonaro,
negando o que todos são capazes de ver, isto é, o aumento substancial da destruição
daqueles biomas sob seu governo – que sustenta um discurso irresponsável de
desenvolvimento baseado no relaxamento da legislação ambiental.
“A Amazônia brasileira é sabidamente
riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha
escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras,
aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o
próprio Brasil”, declarou Bolsonaro. Na mesma linha da conspiração, em
audiência no STF acerca da questão ambiental, o ministro do Gabinete de
Segurança Institucional, Augusto Heleno, havia dito que “não podemos admitir e
incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que
lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso em seu objetivo,
obviamente oculto, mas evidente, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo
Bolsonaro”.
Assim, os próceres do governo Bolsonaro não se envergonham de levar às mais altas tribunas as teses mais doidivanas acerca de temas de enorme relevância para o Brasil e o mundo, apostando na confusão. Debalde: como mostra a crescente fuga de investidores estrangeiros, cada vez menos gente cai nessa conversa, que só prejudica a nação brasileira.
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