- Folha de S. Paulo
Mercado
desconfia do governo, juros voltam a subir, dólar continua caro, Bolsa trava
Credores do governo e negociantes de dinheiro em geral não andam confiando muito em Paulo Guedes. A opinião dos colegas de profissão do ministro sobre o futuro das contas públicas e da economia voltou a piorar desde meados de agosto. Não era tão ruim desde maio, pelo menos, quando o país sentia os efeitos recentes do atropelamento da pandemia e estava perto do auge a campanha golpista de Jair Bolsonaro.
A opinião dos negociantes
de dinheiro fica registrada do modo mais objetivo nas taxas de juros que cobram
para fazer empréstimos ao governo, por exemplo. As taxas para empréstimos mais
longos têm subido. Mais precisamente, tem ficado maior a diferença entre as
taxas de cinco anos ou mais e a taxa de um ano, que foi para perto do chão por
decisão, na prática, do Banco Central (que assim o fez por não ver risco
imediato de inflação).
E daí? Taxas de juros mais
altas desestimulam investimentos das empresas em expansão de negócios. Outras
medidas da opinião dos negociantes de dinheiro, como dólar anormalmente alto no Brasil e Bolsa travada ou
caindo, também contribuem para o que os economistas chamam de
“aperto das condições financeiras”. Se a coisa continuar assim malparada,
haverá problemas adicionais para alguma recuperação econômica daqui em diante.
A explicação dos motivos
da opinião dos negociantes de dinheiro, “o mercado”, é sujeita a mais controvérsia.
O que os povos dos mercados têm dito é que as taxas longas subiram porque há
menos confiança de que o governo Bolsonaro vá cumprir o contrato fiscal: manter o teto de gastos, fazer um programa de
redução de despesas e, se der, outras “reformas”.
A desconfiança teria
aumentado porque o governo daria sinais de que pode estourar as contas a fim de
criar um Bolsa Família Verde Amarelo e investir mais em obras. Ou porque terá
dificuldade de manter o teto sem tirar dinheiro dos servidores públicos,
arrocho que Bolsonaro não quer fazer. Em resumo, não se sabe o que será do
Orçamento nem em 2021.
Como, além do mais, o
déficit cresceu brutalmente neste ano, os técnicos do Tesouro, gente capaz,
tentam fazer mágicas e milagres a fim de evitar que o governo pague mais caro
para se financiar. Mesmo assim, para resumir uma história comprida e enrolada,
o resultado é que o governo tem tomado empréstimos de prazo cada vez mais
curto, o que é um risco, na maior parte por meio do Banco Central, na prática.
Em resumo, cobra-se ora
mais caro do governo porque Bolsonaro não inspira confiança aos donos do
dinheiro. Logo, alguém poderia dizer que a culpa não é de Guedes, mas do seu
chefe, o que não melhoraria muito a situação do ministro. No entanto, o próprio
Guedes é ator coadjuvante dessa desordem —“desordem” na opinião de “o mercado”,
dos colegas dele. Nem está se discutindo se os motivos de “o mercado” são bons
ou não. O fato é que a situação azedou.
A curto prazo e sem
desastre maior pelo mundo, a coisa é administrável, do ponto de vista
mercadista. A situação financeira muda se não aparecer um Bolsa Família gordo
bancado por um fura-teto e se passar alguma lei que tire dinheiro dos
servidores; muda ainda mais se for congelado o valor de benefícios sociais e do
gasto em saúde e educação.
Como tanto se tem escrito
nestas colunas, a pandemia e, em particular, o auxílio emergencial colocaram a
discussão político-econômica em outro patamar, talvez em outro universo. Perto
da gravidade do que se está por decidir (ou não), a inflação do arroz ou do
tijolo é fichinha.
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