Se
Biden se eleger, agenda ambiental dos Estados Unidos entrará em conflito com a
brasileira
A
eleição presidencial nos EUA concentra a atenção global, e os governos tratam
de se preparar para cenários com Joe Biden ou Donald Trump pelos próximos
quatro anos na Casa Branca.
Em
todo caso, de um lado chama a atenção a visível inquietação e mesmo angústia de
Boris Johnson, o conservador primeiro-ministro do Reino Unido, que teve até
agora relações quase carnais com Trump. O jornal “Sunday Times” aponta “pânico
no 10 Downing Street, que se apressa a cortar as pontes com Trump e de cortejar
Biden”. Já o jornal “Financial Times” mostra que isso não vem dando resultado.
Funcionários britânicos não conseguiram até agora nem sequer encontrar um único
membro do grupo de política externa de Biden, dificultando a preparação de
Londres a um novo governo em Washington.
Sobretudo,
chama atenção, pela temeridade diplomática, o presidente Jair Bolsonaro, que
prefere viver perigosamente e jogar o Brasil em zona de risco. Há uma semana
ele repetiu, de maneira inacreditável em matéria de diplomacia, declaração de
amor por Trump, cujas chances de vitória ficam entre 10% e 15% no momento,
segundo pesquisas de opinião. Ao receber o conselheiro de segurança nacional da
Casa Branca, Robert O’Brien, Bolsonaro reiterou sua torcida “de coração” por
Trump. Em fevereiro, o presidente do Brasil já tinha usado o boné de “Trump
2020”, como fez seu filho 03, em 2018, numa visita aos EUA.
Ao
mesmo tempo, Bolsonaro reagiu como ofendido quando Biden, no primeiro debate
com Trump, avisou que se eleito tentaria reunir outros países para fornecer US$
20 bilhões ao Brasil para conservar a Floresta Amazônica ou então buscará
sanções econômicas. Bolsonaro cortou de imediato qualquer futura tentativa de
diálogo. Para ele, “a cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade.
Contudo, a externação por alguém que disputa o comando de seu país sinaliza
claramente abrir mão de uma convivência cordial e profícua”.
Episódios
de envolvimento direto de um presidente do Brasil numa campanha presidencial
americana parecem aposta de Bolsonaro numa virada na eleição e a esperança de
ser premiado por ter ficado fiel quando a situação estava ruim. O presidente do
Brasil tem pouca companhia ao continuar a cortejar Trump sem nenhuma prudência.
Um dos raros dirigentes europeus em exercício a apoiar abertamente um segundo
mandato para Trump tem sido Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria e
conhecido por frequentes atentados ao Estado de direito.
Normalmente,
quando um líder político se conduz de forma diplomaticamente mais temerária,
como Bolsonaro vem fazendo, era de se esperar que seu ministro das Relações
Exteriores tentasse contê-lo. Ocorre que o ministro Ernesto Araújo é outro
partidário ostensivo de Trump. Chegou ao bolsonarismo graças a um artigo de
2017 sobre o dito papel redentor que Trump teria para salvar o ocidente.
O
embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, que tem negado dificuldade
com uma eventual futura administração democrata, é outro ligado à linha
conservadora de Olavo Carvalho, o astrólogo da Virgínia. E é difícil achar um
analista que o considere o melhor interlocutor para uma eventual nova
administração na Casa Branca.
A
impressão geral de pessoas que conhecem bem Biden e os democratas ao seu redor
é de que uma administração democrata não colocaria o Brasil como um alvo
preferencial, não deflagraria retaliação contra o Brasil pela maneira
escancarada como seu presidente torceu pelo concorrente. Primeiro, o Brasil não
estará entre as prioridades de Biden. Segundo, com mais de 40 anos de
diplomacia parlamentar, Biden tem ideias claras sobre como tratar amigos e não
amigos.
Biden
conhece bem o Brasil. Em 2013, quando foi revelado que a Agência de Segurança
Nacional dos EUA espionava até o telefone do avião presidencial brasileiro, o
presidente Barack Obama deu a Biden a missão de buscar descongelar as relações
com o governo de Dilma Rousseff.
Joe
Biden, se for o próximo presidente dos EUA, não vai sair de seu conforto para
travar a relação bilateral com o Brasil. É provável que ele guarde suas forças
para relações complicadas com o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin. E
ninguém tampouco imagina em Washington que se repita mais tarde a afinidade
pessoal ocorrida entre o então presidente Lula e o republicano George W. Bush,
de lados opostos do tabuleiro político. Lula era um pragmático e o
“establishment” americano sabia disso. Já Bolsonaro é considerado politicamente
tóxico. De forma que Biden, se eleito, dificilmente terá interesse em recebê-lo
para uma foto nos jardins da Casa Branca ou para visitar tão cedo o Brasil.
A
partir do ano que vem, no caso de vitória de Joe Biden, haverá evidente choque
imediato em matéria de política ambiental, por exemplo. Os EUA voltarão
rapidamente ao Acordo de Paris, de combate a mudanças climáticas. Haverá forte
convergência entre a posição de uma eventual nova administração americana e a
da Europa na pressão sobre o Brasil e outros grandes emergentes.
Além
disso, sempre na hipótese de Biden ganhar, os EUA voltarão a fazer o
multilateralismo à la carte, onde lhe interessa, e certamente não vão ficar falando
mal do “globalismo”. A associação brasileiro-americana sobre educação sexual
reprodutiva na Organização Mundial da Saúde (OMS), um código para rejeitar
políticas de aborto, seria desmontada. O discurso anti-China na OMS também
tende a arrefecer. Ou seja, o Brasil vai ficar ainda mais isolado, falando
sozinho junto com a extrema direita europeia e com os duros do mundo islâmico
como a Arábia Saudita.
Se
o Brasil já é baixa prioridade para os americanos, o mesmo acontece na Europa.
O Brasil já está sentindo os efeitos do virtual congelamento da relação no mais
alto nível com a Europa, em razão do desgaste forte de Bolsonaro junto à
opinião pública europeia, por exemplo.
Já
se Trump for reeleito, o governo Bolsonaro pode esperar na melhor hipótese que
o Brasil seja tratado normalmente. Até agora, é difícil dizer o que o país
ganhou de significativo ao seguir a linha trumpista.
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