Não
é a primeira vez, nos últimos anos, que a proposta de uma Assembleia
Constituinte surge no debate político brasileiro, e nunca vingou, como essa não
vingará, porque não há base legal nem política para tal convocação.
Muito
antes da direita, a esquerda levantou essa tese em várias ocasiões. O
ex-presidente Lula propôs uma Constituinte para fazer a reforma política por
meio de Fernando Haddad, candidato do PT na campanha à Presidência da República
em 2018.
A
então presidente Dilma Rousseff apresentou a Constituinte como uma solução
quando houve as manifestações de 2013. Mais recentemente, o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre, propôs uma Constituinte para fazer as reformas que o
Congresso considerasse necessárias. Ninguém deu ouvidos, e a proposta foi
fulminada por um comentário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que disse na
ocasião: “Vamos caminhar para o que Chávez fez? Foi por isso que a Venezuela
chegou aonde está”.
Agora
vem o líder do governo, Ricardo Barros, com uma proposta dessas, baseado numa
leitura equivocada dos acontecimentos políticos no Chile, que acaba de aprovar
a convocação de uma Constituinte para enterrar a Constituição em vigor, oriunda
da ditadura militar de Pinochet.
Nesse
ponto é que começa a se deteriorar a sugestão de Barros, pois nossa
Constituição foi gerada justamente no começo de um novo ciclo democrático no
país, depois de 21 anos de ditadura militar. O Chile virou uma democracia sob a
mesma Constituição que regia o regime militar, embora ela não tenha impedido o
país de prosperar nesse período, tornando-se modelo para seus vizinhos na
América do Sul.
Os
diversos presidentes de esquerda que governaram o Chile desde então não mexeram
na Constituição, nem mesmo para aperfeiçoá-la, especialmente no que toca aos
direitos sociais dos cidadãos. O deputado Ricardo Barros, ao defender uma
Constituinte entre nós, alegou que a nossa é um obstáculo aos governos, cheia
de direitos e poucos deveres, como aliás denunciou o então presidente José
Sarney.
Pode
ter até razão em certos aspectos, mas essas atualizações podem ser feitas por
emendas constitucionais, como já vem sendo feito há anos. E, no Chile, os que
aprovaram a Constituinte por larga maioria querem mesmo é uma
Constituição-cidadã como a nossa, cheia de compromissos sociais.
A
tese de Constituinte levantada por Barros não encontra respaldo na própria
Constituição, que não prevê essa possibilidade. Depois de promulgada, em 1988,
ela poderia ter sido revisada pelo Congresso cinco anos depois, mas não foi. A
partir daí, não há como mudá-la sem a utilização de uma proposta de emenda
constitucional (PEC) a ser aprovada pelo Congresso.
Como
a exigência para uma emenda constitucional é grande — três quintos dos votos na
Câmara e no Senado, em duas votações —, essa é a garantia que temos de que a
Constituição não será alterada a qualquer momento.
É
claro que uma PEC poderia, em tese, revogar a Constituição e convocar uma
Constituinte, mas uma decisão desse tipo só seria aceitável em caso de ruptura
institucional, como aconteceu nos anos 1980, após o fim da ditadura militar,
resultando na atual Constituição. Foi o que aconteceu no Chile agora, quando
mais de um ano de manifestações nas ruas desaguou na proposta da Constituinte.
De
outra maneira, o Supremo Tribunal Federal impediria a ação do Congresso ou do
Executivo, porque estariam sendo revogadas diversas cláusulas pétreas que são o
pilar do nosso sistema democrático.
A
convocação de uma Constituinte exclusiva para tratar da reforma política, que
já foi proposta pelo PT em diversas ocasiões nos últimos anos, parecia ser uma
saída para a efetivação de uma reforma que, de outra forma, jamais sairá de um
Congresso em que o consenso é impossível para atender a todos os interesses
instalados, com 33 partidos constituídos e mais 37 na fila de espera.
Mas a proposta não foi para frente porque houve quem suspeitasse de que, no bojo dessa Constituinte, a base aliada do governo petista naquele momento tentaria aprovar não apenas a possibilidade de um terceiro mandato para Lula, mas também o reforço do poder do Executivo, como aconteceu na Venezuela de Chávez e na Bolívia de Evo Morales. Agora é o Centrão, na sua versão bolsonarista, que apresenta a proposta, com o mesmo objetivo: fortalecer o poder do governo.
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