Rafael Carneiro, especial para O Estado de S. Paulo
SANTIAGO
- A Praça Itália, informalmente rebatizada de Praça da Dignidade pelos
manifestantes, fez jus a esse nome na noite do último domingo, 25. Antes
mesmo de que a apuração do plebiscito sobre a mudança na Constituição chilena chegasse
aos 20%, muitas pessoas já se aglomeravam no local, apesar das orientações
contrárias das autoridades de saúde. Afinal, os meios de comunicação já diziam
que a esmagadora diferença em favor da nova Constituição dificilmente seria
revertida.
De
fato foi o que aconteceu. O “aprovo” venceu com 78,27% dos votos. A opção
“rejeito” obteve 21,73%. Além disso, os chilenos optaram por uma Constituição
escrita por uma Assembleia Constituinte (78,99%), de acordo com o Serviço
Eleitoral (Servel). Escolhas feitas, agora o país terá de seguir fazendo mais
outras. Em 15 de abril, serão eleitos os constituintes. Depois de elaborado o
texto, um novo plebiscito será
convocado para que a população aceite ou não a nova Carta
Magna – um processo que deve durar pelo menos mais um ano.
“Há um grande peso histórico em tudo isso. Pela primeira vez no Chile, os cidadãos vão poder participar do processo da redação de uma nova Constituição. Essa participação, claro, será representativa. Outro ponto é que as opções vencedoras nas urnas foram escolhidas por meio do voto popular, e em massa”, destaca o historiador Rodrigo Mayorga, da Universidad Católica.
Mayorga
disse acreditar também que essa elevada participação na consulta popular tem
diversos responsáveis que trabalharam para conscientizar sobre a importância
desse plebiscito. Um dos movimentos mais latentes nos últimos meses foi o feminista, que ganhou
inúmeras vozes e poder social. Em diversas ocasiões, jovens e senhoras foram às
ruas exigir direitos iguais e respeito. Caso a nova Carta Magna seja aprovada
ao fim de todo o processo, ela poderá ser a primeira do mundo formulada de forma igualitária por homens e mulheres,
já que a eleição dos membros da Assembleia Constituinte terá de ser paritária.
“Abre-se
um espaço para novas lideranças, que muitas vezes não são de uma pessoa apenas,
mas de um grupo, como é o caso das feministas”, disse o historiador.
O
advogado constitucionalista Fernando Becerra afirmou que mudanças importantes
podem estar no texto da nova Constituição. Ele destacou o capítulo 3.º, das
garantias constitucionais. “Direito à saúde, ao trabalho, à educação. Se eu
colocar na Constituição que a saúde é um direito e todos devem ter acesso,
haverá um desafio tributário também, claro. Como administrar o dinheiro que o
Chile tem? Mas é necessário que essa discussão ocorra”, afirmou.
Ainda
segundo o advogado, o artigo 5.º é um dos que incomodam bastante a população.
“Ele diz que a soberania reside sobre a nação. Com isso, considera-se que o
país tem uma só nação e não reconhece os povos originários. Há mais de uma nação no
Chile. Reconhecer os povos indígenas, titular e dar terras a eles e respeitar
suas governanças também é muito importante.”
O
governo entendeu o resultado como um recado claro de descontentamento da
população. O presidente chileno, o conservador Sebastián Piñera, convocou seu
gabinete ontem pela manhã e deve se reunir nesta semana com os dirigentes dos
quatro partidos que compõem o Chile
Vamos, coalizão com a qual assumiu o poder em 2018. “Agora temos um
papel como governo de acompanhar este processo constituinte conforme previsto
pela Constituição e, claro, não somos neutros em relação ao conteúdo
constitucional”, disse o porta-voz do governo, Jaime Bellolio, em uma
entrevista coletiva.
A
coalizão, assim como o próprio governo, está dividida, sendo a
ultraconservadora UDI a única que manifestou expressamente o voto para
preservar a atual Carta Magna. “Peço que tenhamos uma verdadeira reconciliação
democrática, que tenhamos diálogo, que nos encontremos nas urgências do povo e
não na pequena política”, disse o porta-voz.
“É uma chamada para construir outros mecanismos de participação mais diretos com os cidadãos. O processo constituinte abre uma janela para novos nomes”, disse o diretor da Escola de Governo da Universidade de San Sebastián, Jaime Abedrapo. / Com EFE
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