Declaração
do papa a favor da união civil homossexual não altera engajamento da igreja nas
guerras culturais
Causou
controvérsia a declaração do papa Francisco a favor
da união civil homossexual no documentário "Francesco", que
estreou no último dia 21 de outubro na Itália.
Apesar
do impacto, a declaração não era nova nem inédita. O papa já tinha dado
declarações anteriores em defesa da união civil homossexual e tinha
publicamente apoiado uma lei de união civil quando era arcebispo de Buenos
Aires.
O
posicionamento a favor da união civil na Argentina, porém, era uma tentativa de
impedir medida mais ampla, a extensão do direito de casamento, que terminou
aprovada no país em 2010.
Já
como papa, em 2013, Francisco deu uma declaração demonstrando respeito aos
homossexuais no voo de volta de sua viagem ao Rio de Janeiro: "Quem sou eu
para julgar?".
A
declaração que está no documentário ("O que temos que ter é uma lei de
convivência civil. Dessa forma, eles [homossexuais] são legalmente
cobertos") foi extraída de entrevista à TV mexicana Televisa, em 2019.
O
fato de o trecho não ter ido ao ar em 2019 pode indicar dificuldades políticas.
A emissora mexicana alegou que, na época, considerou o conteúdo sem interesse
jornalístico, mas a transcrição oficial no site do Vaticano também apareceu
editada sem o trecho.
Grupos
conservadores reagiram criticamente à declaração publicada agora, dizendo que
ela não altera as posições doutrinárias da igreja e cria confusão e incerteza
na orientação dos fiéis.
Seja
como for, a posição do papa de respeito e acolhimento aos homossexuais tem sido
consistente. Mas também tem sido consistente sua batalha em defesa do casamento
tradicional entre homem e mulher e contra a chamada "teoria de
gênero".
Teoria
de gênero é uma construção conceitual da teologia católica que acredita que o
feminismo e o movimento LGBTQ —ou pelo menos parte deles— estão engajados em
promover na sociedade e nas escolas a ideia de que a distinção entre os gêneros
não está assentada na divisão biológica dos sexos, mas que seria apenas questão
de opção individual.
Essa
crença toma a defesa do respeito à diversidade feita pelos movimentos por uma
campanha organizada para embaralhar os papéis de gênero e a orientação sexual
das crianças com o intuito de destruir a família.
Embora
a declaração do papa no documentário colabore para promover a tolerância com os
homossexuais que é bastante presente em países de maioria católica, sua batalha
reiterada contra o moinho de vento da teoria de gênero alimenta as guerras
culturais e, indireta e involuntariamente, fortalece a posição dos violentos e
dos preconceituosos.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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