Quanto
mais tempo se perde por falta de vacinas, mais vidas são levadas pelo vírus
Recentemente,
um grupo de cientistas publicou na revista The Lancet um estudo
calculando que 40% das mortes por covid-19 nos EUA poderiam ter sido evitadas
se não fosse a desastrada política de Donald Trump. Um estudo semelhante
colocaria Jair Bolsonaro em situação mais difícil.
Bolsonaro
é mais negacionista que Trump e na questão das vacinas se afasta radicalmente
de seu ídolo americano. Afinal, Trump financiou a produção de vacinas e
Bolsonaro é o único chefe de Estado do mundo que expressou uma visão negativa
sobre elas.
A
Confederação Nacional de Municípios lançou um documento em que registra as
hesitações e os erros do governo no campo da vacinação em massa e pede a saída
do ministro da Saúde, general Pazuello. Os prefeitos estão cobertos de razão.
Nunca chegaremos a vacinar adequadamente os brasileiros com Pazuello à frente
do processo. Ele prometeu que vacinaria metade das pessoas até junho, uma
promessa tão absurda que não sei como senadores acreditam nela.
Bolsonaro negou a pandemia. No seu processo de negação, como todo populista, precisava de uma saída fácil para o problema. Optou pela hidroxicloroquina. Sempre afirmou que acreditava mais em remédios do que em vacinas, ao contrário da maioria dos governantes do mundo.
Com
essa falsa premissa começou a fazer bobagens, todas elas retardando a nossa
possibilidade de ter as vacinas necessárias para imunizar rapidamente e sair da
crise. Outros países tiveram mais êxito. Israel, mais da metade de sua
população imunizada. A Inglaterra já alcançou 15 milhões de pessoas vacinadas.
Israel tem pouca gente, a Inglaterra, por sua vez, dispõe de um sistema de
saúde.
Não
importam tanto as características de cada um. Para ter êxito nesse processo é
preciso ter vacinas. E Bolsonaro nunca pensou seriamente em comprá-las no prazo
e na quantidade adequados.
Basta
juntar duas declarações dele. Numa delas afirma que o Brasil, com seus mais de
200 milhões de habitantes, é um mercado superatraente para os produtores de
vacinas. Passado algum tempo, ele diz: “Tenho R$ 20 bilhões para comprar
vacinas, mas não consigo”. Não consegue mesmo é estabelecer relação entre as
duas frases, não percebe que se enganou.
A
sabotagem de Bolsonaro às vacinas teve duas vertentes distintas. A primeira
talvez seja produzida pelo obscurantismo científico. A vacina da Pfizer utiliza
a técnica de RNA mensageiro, expressa uma tendência da medicina genética que
vai ser usada na cura de outras doenças. Mas seus aliados diziam nas redes
sociais que esse tipo de vacina altera nosso código genético. Daí surgiram o
medo de virar jacaré e alguns obstáculos contratuais que afastaram a Pfizer.
O
obscurantismo político esteve na base das reservas quanto à Coronavac. De
origem chinesa, comprada por um adversário político, João Doria, Bolsonaro
lançaria inúmeros torpedos contra ela até que, reduzido a uma só alternativa, a
Oxford/AstraZeneca, capitulou.
Mas
suas reservas quanto à origem da vacina o cegaram também para outra
possibilidade chinesa, a da Sinopharm, mais amplamente usada por lá e que acaba
de fechar negócio com o Peru.
A
própria Sputnik V, que despertou o interesse do Paraná e é muito parecida com a
Oxford, nunca chegou a interessar ao governo, até o momento em que foi adotada
por um lobby de deputados do Centrão. E com isso perdeu um pouco de
sua credibilidade, apesar da eficácia reconhecida em artigos científicos.
Outra
oportunidade perdida foram as vacinas do consórcio da Organização Mundial da
Saúde, a Covax, que iria garantir vacinas para países que não a produzem. O
Brasil poderia ter uma cota maior, correspondente a 50% da nossa população.
Optou pela cota mínima, 10%.
Com
uma sucessão tão robusta de erros, o governo de Jair Bolsonaro certamente iria
fracassar no projeto de vacinação em massa. Isso não significa que no futuro
não haja maior disponibilidade de vacinas. A tendência é do aumento da
produção.
No
entanto, o conceito de fracasso é associado a dois fatores: o número de
contaminações evitadas num determinado período e a capacidade de repor a
economia em funcionamento o mais rapidamente possível.
Na
medida em que as vacinas evitam também evoluções graves e letais da doença,
quanto mais tempo se perde, mais vidas são levadas pelo vírus. Por essa razão
uma pesquisa de cientistas sobre o peso da política negacionista no número de
mortes encontraria um resultado diferente do constatado nos Estados Unidos.
Os
40% de mortes atribuídas à política de Trump nos Estados Unidos seriam, aqui,
acrescidos das mortes produzidas pelos erros na política de vacinação. Sem
contar o fato de que Trump percebeu com alguma rapidez que a hidroxicloroquina
era uma canoa furada e despachou os estoques para seu admirador tropical.
Nessa corrida para o troféu de mais mortes por estupidez política, Bolsonaro deverá suplantar Trump. O americano já se foi e aqui a sinistra batalha continua: faltam vacinas e uma nova variante se espalha pelo País, graças também à opção do governo de ignorá-la.
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