Com
o estado crítico em que o Brasil está, ainda pandêmico e com novas variantes
perigosas do vírus em circulação, o governo contempla a adoção de um novo
auxílio. Mas não se enganem. A proposta em nada se assemelhará ao esforço de
2020
Em
2020, quando o vírus chegou ao Brasil, escancarou-se uma porta para que
discutíssemos medidas de proteção social, a despeito do desprezo do presidente
pelos direitos humanos. A porta foi escancarada por uma conjunção de fatores
fortuitos: o vírus ainda era uma novidade no país, todos o temiam — exceto o
presidente —, as medidas de lockdown eram mais aceitas do que hoje, as mortes
na Itália e na Espanha haviam impactado o país de um modo que as mortes de
centenas de milhares de brasileiros não impactariam. A sociedade aproveitou
então os espaços surgidos, tendo no Congresso um aliado de ocasião devido a
suas lideranças, e pressionou para que o auxílio fosse criado rapidamente. A
pressão de grupos e pessoas, ao lado da disposição do Congresso, foi capaz de
implantar o maior programa de proteção social da história brasileira.
Apesar dos tropeços, mais de 70 milhões de pessoas foram atendidas, a economia foi sustentada e a catástrofe foi atenuada. A queda do PIB em 2020 foi da ordem de mais de 10%, tal como eu projetava em março, e só não foi maior por causa do auxílio. Infelizmente, tanto os líderes do Congresso quanto o governo se recusaram a agir em função do que já era sabido, ou seja, que a pandemia não terminaria em dezembro. Preferiram orientar sua ação por sua vontade e deixaram o auxílio expirar. Agora, com o estado crítico em que o Brasil está, ainda pandêmico e com novas variantes perigosas do vírus em circulação, as VOCs, o governo contempla a adoção de um novo auxílio emergencial. Mas não se enganem. A proposta, qualquer que seja, em nada se assemelhará ao esforço de 2020.
Sobram
preocupações com tudo que não é urgente neste momento, em que a pandemia está
prestes a se agravar. Sim, a se agravar. As VOCs são perigosas por serem mais
transmissíveis, possivelmente causar doença mais grave, quiçá escapar do
sistema imune. As vacinas nos protegem contra doença, não nos protegem contra
infecção. E o Brasil está muito atrasado na campanha de vacinação. Logo, o
cenário que temos hoje não se alterará tão cedo. Teremos uma prolongada
pandemia aguda e depois, por conta da evolução do vírus, potencialmente uma
pandemia crônica, como é hoje o caso da aids.
O
que deveria ser o novo auxílio emergencial neste contexto? Minha proposta é de
um benefício no valor de R$ 300, a ser pago, no mínimo, até o fim do ano, com
cobertura equivalente ao programa que expirou em dezembro e com uma regra de transição.
A regra de transição é importante, pois impede que o programa acabe
subitamente, deixando dezenas de milhões de pessoas desassistidas, como ocorreu
na passagem de 2020 para 2021. Imagino uma regra de transição de seis meses, em
que o valor do benefício seja reduzido gradualmente, mês a mês, até chegar a
zero. Em um país com um governo que não fosse antissociedade, a regra de
transição estabeleceria a passagem para um programa de renda básica permanente,
mas confesso que não tenho mais qualquer esperança de que algo do tipo venha a
surgir em um governo que atua, por ação e omissão, para fazer e deixar morrer.
Não é por acaso que se fala em necropolítica.
Antevejo
a pergunta: De onde virá o dinheiro para isso? O programa é caro,
evidentemente. Estamos falando de cerca de R$ 200 bilhões, caso os pagamentos
se iniciassem em março para atender em torno de 70 milhões de pessoas. Já digo
logo, sem qualquer temor de represálias, que certamente aparecerão: o programa
deve ser financiado, majoritariamente, pela emissão de dívida pública.
O
país não vai quebrar por causa disso. No ano passado, a dívida só não foi mais
elevada por causa do auxílio emergencial.
Lembrem:
ele evitou que tivéssemos uma recessão ainda mais profunda. E, convenhamos, o
momento é de crise humanitária aguda. Estamos falando de salvar vidas, centenas
de milhares de vidas. Trata-se de pôr o foco no lugar certo, nas pessoas. Não
há nada mais importante nem mais responsável do que isso. Os tempos não são de
normalidade. Não nos permitem ficar na ladainha da responsabilidade fiscal,
porque, enquanto ela é desfiada, morre mais de uma pessoa por minuto por Covid.
Em breve, esse número será ainda maior.
Portanto,
é isso. Salvar vidas e reerguer o auxílio da forma como propus é encarar o
problema tal qual ele se apresenta, a realidade tal qual ela é. Isso implica
abrir mão da fantasia de que “a pandemia está acabando” e da ignomínia de que
“é preciso salvar a economia, depois salvamos as pessoas”.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
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