Há
uma lógica diretamente ligada à estrutura das redes sociais no vídeo que custou
a prisão ao deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Silveira é, dentre os
bolsonaristas, um tipo ainda mais agressivo do que o padrão do grupo, já uns
tantos tons acima do normal. Mas, neste vídeo em que deseja uma surra aos
ministros do Supremo embalado por atos institucionais da ditadura, sua
agressividade não é apenas um ato político antidemocrático. É, também, uma técnica
conhecida de fazer com que a audiência potencial do filmete seja maior. A
intenção lá atrás, quando se tornou conhecido pelo gesto de quebrar a placa da
vereadora assassinada Marielle Franco durante a campanha, também era a mesma.
O
algoritmo, o código de computador que seleciona quem será exposto a que foto,
texto, vídeo, compreende muito da natureza humana. É uma inteligência
artificial que compreende nossas fraquezas. E uma delas é que, quando a pressão
sobe, e a adrenalina corre, ligamos o alerta. Ficamos mais atentos quando as
emoções são fortes. Quem nos deixa mais indignados, nas redes sociais, ganha
mais pontos para aparecer mais.
Silveira sabe disso, como sabe Carlos Bolsonaro quando opera as contas de seu pai, o presidente da República. Como, aliás, sabem quaisquer influenciadores.
A esperança que a internet trazia quando surgiu é que o debate político seria democratizado. Não seria mais necessário ter uma verba imensa para contratar as melhores pesquisas, as mais capazes equipes de vídeo e, assim, costurar publicidade eleitoral de primeira. O mercado de ideias enfim se realizaria, utopicamente, permitindo que, nos diálogos constantes da praça digital, as melhores emergissem pela criação de consensos. A democracia é tão bonita nos livros e tão difícil na prática. Pois a entrada da inteligência artificial no jogo confirmou as previsões só pela metade. Não é preciso mais dinheiro para se sobressair. Mas as regras do jogo fazem com que, no mercado real das ideias, sejam os mais radicais que chamem a atenção.
Para
prender Silveira, o ministro Alexandre de Moraes fez uma leitura perigosa do
princípio de flagrante. Se o vídeo está no YouTube, e pessoas estão
constantemente expostas a ele, então o crime é continuado. Como já disse
alguém, se isso for verdade, quem tem Twitter, tem medo. Tudo o que já se
escreveu na rede e ficou pode ser usado para criar o flagrante.
Mas,
interpretação à parte, Moraes — e os outros dez ministros do Supremo que
unanimemente concordaram com a decisão de prender o deputado — estão certos em
se preocupar. Nada é mais radical politicamente do que um ataque à democracia.
É defender o rompimento do regime, o fim da liberdade, da igualdade de
direitos.
A
violência, afinal, pode começar retórica, pode ser um truque para deslumbrar o
algoritmo e, assim, conquistar mais curtires e visitas. Mas ela não fica só aí.
A violência retórica, o discurso contra a democracia, ilude eleitores e
constrói eleitorado. Nós, os brasileiros, entendemos de ditadura — só na
República tivemos três. A de Deodoro e Floriano, a de Vargas e a dos generais.
Podemos dizer com tranquilidade que não entregam países melhores. A última nos
deixou um legado de analfabetos e hiperinflação que custou à democracia uma
década para resolver. Ainda assim, mesmo porque, no tempo das fake news, até a
história é falsificada, tem gente convencida de que ditadura é bom jogo.
A lição que os EUA de Donald Trump nos deixaram é que a violência iniciada no algoritmo tampouco para na conquista de um nicho de eleitorado. Ela vai além, se torna real e invade Parlamentos. O Centrão que abra o olho — é com eles também.
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