Além
da devastação econômica e das vidas perdidas na pandemia, me lembro de duas
histórias sobre os efeitos do amor à distância. Ou perto demais
Além
da devastação econômica e das vidas perdidas na pandemia, a quarentena gerou
todo tipo de relatos reais e ficcionais do confinamento, na TV, nos jornais,
blogs e redes sociais. E me lembro de duas histórias sobre os efeitos do amor à
distância. Ou perto demais.
Um casal amigo, os dois na faixa dos quarenta, que vive junto há quatro anos, há algum tempo vem se afastando e se desgastando em intermináveis DRs, e sobrevivia com cada um mergulhado em seu trabalho o dia inteiro, com pouco espaço para convivência, discussões e brigas. Eles sabiam que o casamento já era, e nenhum acreditava em um reset positivo, mas mesmo assim viviam um arranjo em que fingiam acreditar que funcionava, ainda unidos por restos, ou hábitos, de uma atração sexual. Mas o confinamento atingiu-os em cheio, com os dois em home office, tornando obrigatória a convivência 24 horas por dia, como um Big Brother sem câmeras.
Deixo
para a imaginação do leitor as cenas de bate-boca, barracos e trocas de
acusações e ofensas numa interminável revisão de brigas passadas, presos na
mesma cadeia de frustrações e ressentimentos. Depois de algum tempo passaram a
se comunicar por WhatsApp. Quem faz o mercado. Quem limpa a casa. Quem foi
mesmo que disse “O inferno são os outros”? O Google diz que foi Jean-Paul
Sartre, filósofo do existencialismo, que acreditava que a forma que se leva a
existência precede a nossa essência humana. Os dois sentiam isso na carne.
Existencialistas
informais, eles desprezavam as convenções sociais, consideravam o casamento civil
e religioso instituições falidas, bastaria morarem juntos. O que valia era o
amor e o projeto de felicidade. Logo descobriram que o problema não era receber
benção ou assinar papel, mas viver sob o mesmo teto.
Outro
casal de amigos, os dois nos cinquenta, que há quatro anos vive um casamento
interestadual, ela no Rio e ele em Brasília, sem nenhuma intenção de viverem
juntos (talvez na mesma cidade, mas nunca juntos ), está acostumado a conviver
por alguns dias, dois fins de semana por mês, ou em viagens de férias, por isso
valorizam o precioso tempo juntos, não sofrem o desgaste da mediocridade do
cotidiano conjugal, cada um administra sua casa e sua vida como quer.
O
isolamento os aproximou ainda mais, intensificou as trocas de mensagens,
vídeos, fotos, promessas de felicidade a que estavam acostumados. Parece que
algumas pessoas se sentem mais livres e à vontade em se comunicar por escrito,
podem pensar no que escrever, no que responder, multiplicando as afinidades e
declarações de amor e de humor, minimizando as discussões perigosas e inúteis.
No caso deles, cinco meses de separação fortaleceram o amor e ampliaram e
aprofundaram o conhecimento e a aceitação do outro.
Só depois que ela teve Covid, mas leve, e ele, assintomático, puderam enfim se encontrar no Rio. Deixo para a imaginação do leitor a intensidade das cenas de amor e a certeza de que a distância e a saudade são o mais infalível e insuperável dos afrodisíacos.
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