É ao mesmo tempo uma surpresa e um alento que, segundo relato do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao presidente Jair Bolsonaro, o plenário da Câmara pareça disposto a confirmar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e possa até cassar seu mandato. Não é admissível nenhuma transigência com um parlamentar que profere injúrias e ameaças contra ministros do Supremo, além de agredir os fundamentos da democracia, atitude que não é protegida nem pelas prerrogativas do mandato parlamentar, nem pelo direito à liberdade de expressão. É preciso agilidade e rigor na punição de Silveira.
Até
o momento, mantém-se o peso da decisão unânime do Supremo pela prisão. A
reunião de custódia realizada ontem o manteve detido. Só falta a Câmara decidir
seu destino. O plenário dos deputados deverá fazer isso hoje. Ou bem o tratará
com o corporativismo e o compadrio contumazes no Parlamento ou, ao contrário,
seguirá o voto da Corte, como aventou Lira.
A surpresa positiva na audiência de custódia sucedeu a especulação de que Silveira seria solto de tornozeleira eletrônica, em troca a Mesa da Câmara encaminharia o caso ao Conselho de Ética, desativado desde o início da pandemia. Na verdade, era uma manobra para garantir a impunidade, a julgar pela leniência e lentidão com que o Conselho atua nas duas Casas do Congresso. Para afastar o temor, foi encaminhado ontem pela Mesa ao presidente do Conselho, Juscelino Filho (DEM-MA), o pedido de cassação de Silveira, que será analisado terça-feira.
A
gravidade dos ataques de Silveira impõe aos parlamentares uma guinada na forma
como costumam julgar seus pares. Havia em dezembro 29 pedidos de punição contra
deputados parados na Mesa da Câmara, à espera de uma decisão sobre o
encaminhamento ao Conselho de Ética, onde já estão 10 processos também
paralisados.
A
suspensão dos trabalhos em comissões devido à pandemia pode até ser um
atenuante, mas não justifica tamanha omissão. Pandemia não é desculpa para
paralisia. Empurrar com a barriga as denúncias apresentadas à Mesa, e mesmo ao
Conselho, é recurso frequente do corporativismo parlamentar na proteção de
aliados. No final de 2019, o ministro Celso de Mello, do Supremo, suspendeu o
mandato do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), acusado de se beneficiar do
superfaturamento em obras no interior do estado. A Câmara suspendeu a decisão
de Celso e despachou o caso ao Conselho de Ética. Veio a Covid-19, e lá se foi o
processo para o fundo duma gaveta.
Entre
os 10 processos que dormem no Conselho, nem chegou o caso absurdo da deputada
Flordelis (PSD-RJ), denunciada por envolvimento no assassinato do marido, em
cumplicidade com parte da família. Não foi enviado pela Mesa. Flordelis é
obrigada pela Justiça a usar tornozeleira eletrônica. No Senado, a situação não
é muito diferente. Basta lembrar o caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR),
flagrado com R$ 30 mil na cueca. Ele retomou ontem seu mandato, enquanto as
acusações de desviar verbas de combate à pandemia (que nega) também repousam no
Conselho da Casa.
É
escandalosa a leniência dos parlamentares com os colegas. Todos os casos
parados devem ser examinados, até para estabelecer inocência quando razoável. A
começar pelo de Silveira, que precisa ser punido com rigor e rapidez.
Perspectiva de volta da inflação nos países ricos é desastrosa para Brasil – Opinião / O Globo
Não bastasse o choque da pandemia, desenha-se uma perspectiva desalentadora para o Brasil nos próximos anos, em virtude do cenário global. Não se trata só do avanço do protecionismo que prejudica nossos negócios. O que hoje perturba a cabeça de dez entre dez economistas nos países ricos é a convicção crescente de que a inflação voltará por lá.
Seria
uma inversão radical de tendência, já que a última década foi consumida pelo
temor oposto, de deflação. Juros negativos se tornaram comuns. Desde 2008, os
bancos centrais injetaram trilhões e trilhões nos mercados sem fazer cócegas
nos preços. Agora, diversos indicadores sustentam a expectativa de alta
inflacionária.
Na
Zona do Euro, os preços subiram em janeiro mais que em qualquer outro mês nos
últimos cinco anos. A alta do petróleo tem gerado reajustes em série nos
combustíveis aqui também. O custo de transportar mercadorias pelo planeta quase
triplicou no último ano. O reaquecimento da economia chinesa, menos afetada
pela pandemia, tem aumentado a demanda por vários produtos.
Tudo
isso tem contribuído para um debate nos Estados Unidos, dentro do Partido Democrata,
sobre a ambição do estímulo fiscal do presidente Joe Biden. De um lado, o
economista Paul Krugman defende que o US$ 1,9 trilhão (quase 9% do PIB),
encaminhado por Biden ao Congresso, será mesmo necessário para tirar o país da
depressão pandêmica. De outro, o economista Larry Summers vê um risco
inflacionário quando a população estiver vacinada, e a poupança represada (em
torno de 11% do PIB) começar a se transformar em consumo. Krugman argumenta que
é melhor pecar por excesso. A economia precisa reengatar ladeira acima e, se a
aceleração for exagerada, não será difícil reduzir a velocidade.
Deixando
de lado a discussão acadêmica, é certo que a inflação voltará. No cenário
benigno, uma pressão modesta da demanda faz parte da ambição dos BCs para estimular
a retomada. A alta mais resiliente, porém, prevista pelos analistas e temida
por Summers, significa que poderá ser inviável manter as taxas de juro nos
patamares irrisórios que vêm sendo praticados desde a crise financeira de 2008.
Para o Brasil, qualquer alta nos juros lá fora será nada menos que desastrosa.
Significará,
ao mesmo tempo, maior valorização do dólar e mais dificuldade para vender
títulos do governo e rolar a dívida pública (e também pressão inflacionária). O
descalabro fiscal em que estamos exigirá, para atrair compradores, oferecer ao
mercado juros mais altos, com as previsíveis consequências recessivas.
A
única forma de mitigar o baque é fazer o possível para aprovar reformas que
permitam conter a explosão do endividamento. Mesmo assim, no melhor cenário a
dívida crescerá inexoravelmente pelo menos até 2026. Em nenhum momento, as
condições externas exigiram tanta maturidade e coragem do Congresso brasileiro
para fazer avançar a agenda reformista. E nunca maturidade e coragem estiveram tão
em falta entre nossos parlamentares.
O desafio do deputado bolsonarista – Opinião / O Estado de S. Paulo
Não
é hora de contemporizar. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados
As eleições de 2018 deviam ser, assim pediram os eleitores nas urnas, a renovação da política. Havia o clamor por um novo patamar moral e cívico dos governantes e parlamentares eleitos. De fato, houve uma renovação do Congresso em porcentual inédito. No entanto, fica cada vez mais evidente que o bolsonarismo não apenas aproveitou esse anseio de uma nova política, como de alguma forma o atraiçoou, ao trazer para a política gente que não apenas ignora os fundamentos básicos do Estado Democrático de Direito, como descumpre também o Código Penal.
Ao
divulgar um vídeo em que profere ofensas e ameaças a ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) e faz pregação de caráter claramente golpista, o
deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) descumpriu seu compromisso de
respeitar a Constituição – não há lugar no Congresso para quem defende o Ato
Institucional (AI) n.º 5 e intimida integrantes de qualquer dos Poderes –, além
de ter cometido crimes previstos na legislação brasileira. Trata-se de escárnio
com o regime constitucional. Por discordar das decisões do Supremo, o deputado
bolsonarista pede, por exemplo, a destituição, cassação e prisão dos seus
membros, além de instigar a violência contra eles.
A
imunidade parlamentar – “os deputados e senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, diz o texto
constitucional – não é sinônimo de impunidade. Tanto é assim que a Constituição
prevê que parlamentares podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.
Por
11 votos a zero, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o deputado bolsonarista,
ao instigar a adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos
ministros do Supremo, cometeu crime inafiançável, mantendo a prisão em
flagrante decretada pelo ministro Alexandre de Moraes na terça-feira passada.
A
manifestação contundente do Supremo recorda a todos que, apesar do caos que
alguns querem impor, ainda existe lei no País. No início da sessão, o
presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, lembrou o dever do STF de zelar pela
higidez do funcionamento das instituições brasileiras. “Por esse motivo, o STF
mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. (...)
Ofender autoridades, além dos limites permitidos pela liberdade de expressão,
que tanto consagramos no STF, exige, necessariamente, uma pronta atuação da
Corte”, disse.
O
decano do Supremo, ministro Marco Aurélio, destacou a gravidade do
comportamento do deputado Daniel Silveira. “Estou com 74 anos de idade, 42 em
colegiados judicantes, e jamais imaginei presenciar ou vivenciar o que
vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva,
tão chula, no tocante às instituições”, disse.
Ao
votar pela manutenção da prisão, Marco Aurélio lembrou que era imprescindível
interromper a prática delituosa, não havendo qualquer dúvida sobre a
periculosidade do preso e a necessidade de preservar a ordem pública. Alvo de
dois inquéritos no Supremo, o deputado bolsonarista, em sua passagem pela
Polícia Militar do Rio de Janeiro de 2013 a 2018, sofreu 60 sanções
disciplinares, 14 repreensões e 2 advertências, acumulando 54 dias de prisão e
54 de detenção. Trata-se de um histórico nada abonador, revelando quem o
bolsonarismo alçou à vida pública.
Como
dispõe a Constituição, compete à Câmara dos Deputados decidir sobre a prisão
decretada pelo Supremo. “Os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro
horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão”, diz o art. 53, § 2.º.
Com
esse procedimento, a Constituição estabelece não apenas mais um meio de controle
das garantias constitucionais, como atribui ao Poder Legislativo um papel
decisivo na aplicação da lei. O Congresso tem o dever de proteger o Estado
Democrático de Direito, sem criar espaços para a impunidade e, o que seria
ainda pior, transigir com agressões ao regime republicano e às instituições
democráticas.
Não
é hora de contemporizar. A atuação do deputado bolsonarista não coloca em risco
apenas o Supremo e seus ministros. Ao defender o AI n.º 5, Daniel Silveira
também ameaça o Congresso. Há limites e eles precisam ser devidamente
lembrados.
Paródia econômica do surrealismo – Opinião / O Estado de S. Paulo
Sem
plano, o governo tenta achar dinheiro num Orçamento ainda inexistente
O ministro da Economia, Paulo Guedes, procura espaço para acomodar um gasto imprevisto de R$ 30 bilhões num orçamento inexistente. O orçamento é ainda imaginário, assim como o possível corte de gastos – fala-se em R$ 10 bilhões, talvez o dobro disso –, mas são reais as dezenas de milhões de pessoas atoladas na pobreza depois de extinto o auxílio emergencial. Reativar o auxílio, ou parte dele, é mais que uma questão de solidariedade. É um passo para reativar o consumo e animar a economia – e, para o presidente Bolsonaro, um gesto potencialmente importante para a reeleição, o foco principal de suas atividades.
Paródia
do surrealismo, a atual política econômica brasileira dificilmente seria
imaginada por André Breton, autor do Manifesto Surrealista, de 1924, ou
por qualquer dos artistas e escritores ligados ao movimento. Quando o Orçamento
deste ano for aprovado no Congresso, no fim de março ou começo de abril, a
equipe do Ministério da Economia deverá ter avançado – se restar alguma
prosaica normalidade – no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para
2022.
Antes
disso, em 22 de março, será preciso enviar ao Congresso o relatório bimestral
de avaliação de receitas e despesas, um acompanhamento regular da execução
orçamentária e da evolução das condições fiscais. Esse documento mostra as
condições fiscais e, quando se julga necessário, indica o bloqueio de despesas.
Esse
bloqueio ocorre, com frequência, nos primeiros meses de cada ano. É medida de
prudência, depois afrouxada, ou mesmo abandonada, quando as finanças do governo
avançam de forma satisfatória. Mas esse é o procedimento rotineiro, quando a
vida segue com normalidade e o governo também é normal.
Nenhuma
das duas condições tem sido observada. Nem a vida é normal, afetada pelos danos
sanitários e econômicos da pandemia, nem o governo segue padrões mínimos
observados, tradicionalmente, na gestão pública.
O
desvio dos padrões mínimos de normalidade foi visível desde o começo do mandato
do presidente Jair Bolsonaro. Formalizada a posse, em janeiro de 2019, o
presidente ignorou as questões administrativas, desprezou a pauta de reformas e
dedicou-se a facilitar o armamento da população civil, como se isso fosse
tarefa urgente. Precisou dar alguma atenção à reforma da Previdência,
prioridade herdada do governo anterior. Atrapalhou a tramitação, foi
aconselhado a se calar e o empenho de parlamentares garantiu a aprovação do
projeto.
A
economia havia começado, nos dois anos anteriores, a recuperar-se da recessão
de 2015-2016. Sem sustentar essa tendência, o governo fechou 2019 com
crescimento econômico inferior ao de 2018. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou
no primeiro trimestre de 2020. A pandemia, com efeitos sensíveis a partir da
segunda quinzena de março, atingiu um país economicamente já enfraquecido.
O
Banco Central estimulou o crédito rapidamente. O presidente Bolsonaro e a
equipe econômica reagiram em seguida, com medidas de apoio a empresas, de
defesa do emprego e de socorro aos mais vulneráveis. Brasília tomou, enfim, o
caminho aberto pelos governos das economias avançadas e seguido, com apoio do
Fundo Monetário Internacional, por mais de 80 países.
Diferentes
condições financeiras permitiram diferentes graus de reação à crise. No Brasil
foi alto o comprometimento de recursos fiscais. A economia reagiu, mas sobraram
uma dívida pública muito inflada e um enorme desarranjo nas contas públicas.
A
equipe econômica preparou o projeto de Orçamento de 2021 como se o crescimento
estivesse assegurado, a pandemia devesse recuar e os 67 milhões de
beneficiários do auxílio emergencial pudessem, de repente, dispensar aquele
dinheiro. O presidente manteve um ministro da Saúde disposto a distribuir
cloroquina e incapaz de planejar a vacinação. Fevereiro logo vai terminar, o
governo continua sem Orçamento, as tarefas se amontoam, mal programadas, e a
média móvel de mortes supera mil por dia, num balé confuso, sinistro e jamais
concebido pela mais desatada imaginação artística.
Horizonte sombrio para a educação – Opinião / O Estado de S. Paulo
Orçamento
para a educação continuará aquém das necessidades do setor em 2021
Depois de dois anos de total paralisia na área educacional, dada a inépcia administrativa dos ministros que estiveram à frente do Ministério da Educação (MEC) nesse período, o governo do presidente Jair Bolsonaro inicia seu terceiro ano de mandato sinalizando que os problemas do setor se agravarão ainda mais.
Entre
2019 e 2020, as sucessivas confusões em que o MEC se envolveu foram causadas
pela incapacidade de seus dirigentes de articular as redes municipais e
estaduais de ensino num período de pandemia, pela substituição de critérios
técnicos por diretrizes ideológicas e religiosas na condução do sistema escolar
e pelo contingenciamento de parte das verbas orçamentárias. Nesses dois anos,
os investimentos do MEC também foram os menores desde 2015, deixando claro que
a educação jamais foi prioritária para Bolsonaro. Outra prova disso é o fato de
que, por razões políticas, o MEC teve uma retirada de R$ 1,4 bilhão de seu
orçamento para financiar obras federais de responsabilidade de outros
Ministérios.
Em
2021, os problemas mais graves tendem a ser de natureza financeira. Como o
orçamento proposto para o MEC neste ano, e que ainda não foi votado pelo
Congresso, é quase o mesmo do orçamento de 2020, da ordem de R$ 144,5 bilhões,
em termos práticos isso significa que a pasta não terá condições de repassar
para as universidades e escolas técnicas mantidas pela União os recursos de que
necessitam para comprar equipamentos, adquirir insumos para laboratórios,
atualizar equipamentos de informática, construir salas e conservar instalações.
O
impacto maior será na educação profissional, justamente num momento em que as
vagas que serão abertas no mercado de trabalho após a pandemia exigirão mão de
obra cada vez mais qualificada, por causa dos avanços nas tecnologias de
produção. As estimativas são de que esse nível de ensino perderá em 2021 cerca
de 21% do que recebeu em 2020. Para o Conselho Nacional das Instituições da
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), muitos
institutos federais não conseguirão implementar as atividades planejadas e
outros não terão condições de consolidar sua infraestrutura, o que reduzirá a
oferta de cursos e a criação de novas vagas.
Além
das dificuldades acarretadas para o ensino profissional, a insuficiência de
recursos poderá gerar outro grave problema. Como em 2020 as escolas da rede
pública de ensino básico ficaram fechadas após a eclosão da pandemia, a volta
às aulas presenciais foi planejada para o início de 2021 sem, contudo, que as
autoridades educacionais previssem um novo agravamento da pandemia de covid-19
e sem que as autoridades sanitárias dessem prioridade aos professores no
calendário de vacinações.
Esse
fato novo ampliou os problemas que o sistema educacional público terá de
enfrentar em um contexto de crise sanitária e de escassez de recursos. Entre
outros desafios, os gestores escolares terão de trabalhar com as atividades
planejadas para 2021 e, ao mesmo tempo, também terão de integrar as
aprendizagens que não foram desenvolvidas em 2020, uma vez que o desempenho do
sistema público de ensino ficou abaixo do esperado para os estudantes que
assistiram a aulas virtuais, como reconhecem vários secretários estaduais de
Educação. Serão “dois anos em um”, afirmam membros do Conselho Nacional de
Educação e dirigentes de ONGs do setor educacional.
No
fim do ano passado, gestores escolares, pedagogos e especialistas em ensino
público profissional e ensino básico afirmaram que, se o orçamento da área da
educação não fosse recomposto, por causa dos problemas fiscais enfrentados
pelos diferentes níveis de governo, a educação brasileira estaria à beira de um
colapso em 2021. Infelizmente, como o governo Bolsonaro nada fez nesse sentido
e o ano de 2021 já está em seu segundo mês, isso significa que o Brasil
continua perdendo a corrida educacional, sem superar deficiências de
conhecimento das novas gerações e reduzir as desigualdades ampliadas pela
pandemia.
Folha, 100 – Opinião / Folha de S. Paulo
Jornal
será relevante em novo século se respeitar direito do leitor à informação
Esta Folha completa
nesta sexta (19) 100 anos de
existência. Em qualquer atividade, são poucas as organizações,
públicas ou privadas, que chegam à marca. Menos ainda as que têm como atividade
o jornalismo profissional, em sua vertente crítica.
A
celebração é espartana, conforme o momento e a praxe interna.
O
jornal não é o mesmo
de 1921, obviamente, quando surgiu como contraponto moderno e
inquieto aos diários da elite de então. Esse traço viria a definir seu DNA e
lhe daria o “espírito de imigrante”, numa feliz definição posterior.
Foi
a partir do fim dos anos 1970 e na década seguinte que a Folha ganhou
relevo nacional, primeiro com a abertura de
suas páginas para o debate público, depois com a campanha pelas
eleições diretas.
São dessa época as diretrizes que até hoje balizam sua conduta e sua relação
com o público.
Seu
compromisso basilar, como saberão os leitores mais assíduos, é com o jornalismo
apartidário, crítico e pluralista. Não se trata de um conjunto estanque de
princípios; ao contrário, a busca desses objetivos sempre impõe reflexões e
reorienta as práticas cotidianas.
O
apartidarismo implica distanciamento em relação às forças políticas, o que
permite escrutinar com independência o poder em todas as suas formas e
instâncias. Dificilmente um veículo de imprensa movido a preferências políticas
e ideológicas seria capaz de trazer à tona fatos impactantes que governos tão
diferentes quanto os de PSDB, PT e do atual presidente gostariam de manter
ocultos.
Ao
expressar seus pontos de vista, o que faz apenas nesta seção de editoriais, o
jornal abraça a defesa de ideias, nunca a de candidatos ou agremiações. Essas
opiniões sujeitam-se a ser reforçadas periodicamente com novos dados e
argumentos, ou mesmo reformadas com a transparência obrigatória.
O
jornal se sabe falho e não pretende impor certezas —eis o que move o seu
pluralismo. Suas páginas continuarão abertas a manifestações de todos os
setores representativos da sociedade e a diferentes versões e interpretações
dos fatos, sem que se abandone a tarefa de buscar o relato mais fidedigno
possível, apresentado de maneira atraente em qualquer plataforma.
A
atmosfera crítica e a premência temporal que envolvem a produção do noticiário
exigem contrapartidas para que excessos, injustiças e erros não evitados sejam
corrigidos. A Folha é o único dos grandes veículos brasileiros a
manter um profissional
encarregado de fiscalizar a si própria. A retificação de informações é diária,
explícita e mandatória.
Em
microcosmo, o jornal reflete os mecanismos da governança mais exitosa jamais
concebida pela humanidade, o Estado democrático de Direito. Porque os
indivíduos são movidos em parte pelas paixões e os interesses, há que
constituir instituições harmônicas e independentes, que pelo seu entrechoque
previnam a tirania e facilitem o progresso inclusivo de toda a comunidade
nacional.
A Folha não
acredita que seja possível o desenvolvimento material e espiritual da sociedade
brasileira fora dos marcos da democracia representativa. A pobreza e a
desigualdade serão reduzidas à medida que mais parcelas da população tiverem
acesso a oportunidades, seja na economia, seja na política.
Cumpre
desconcentrar o poder e diluir as oligarquias, algo que não será realizado sem
a fiscalização dos Poderes instituídos sobre o Executivo, no setor público, nem
a vigilância do jornalismo profissional, na sociedade civil.
O
jornal milita, igualmente, pelo consenso iluminista, a defesa das liberdades
individuais e das minorias, a diversidade em sua feição mais abrangente e a
soberania da ciência sobre o obscurantismo.
Pela
primeira vez sob a Constituição de 1988 os veículos como a Folha se
defrontam com um adversário do regime, adorador de autocratas e torturadores,
na Presidência da República.
Os
desejos de destruição da imprensa independente que com frequência escapam da
boca do mandatário são manifestações de uma contrariedade mais profunda, contra
as amarras que o impedem de portar o cetro e a coroa ou a farda.
A
vantagem de um jornal centenário neste momento é vislumbrar a perspectiva da
História. A energia despendida agora para preservar as liberdades duramente
conquistadas não terá sido em vão. As angústias serão superadas, e a marcha das
conquistas civilizatórias, cedo ou tarde, retomada.
Os
próceres do despotismo ficarão pelo caminho, apagados pela névoa do tempo. A
causa da Folha é maior e mais forte. O jornal seguirá dando sua
contribuição à aventura do desenvolvimento justo, democrático e solidário do
Brasil nos próximos cem anos, desde que mantenha o compromisso com o direito à
informação de Sua Excelência, o leitor.
Câmara deveria retirar o mandato de Daniel Silveira – Opinião / Valor Econômico
Abomináveis
baixarias do deputado não podem ficar impunes
As
abomináveis baixarias do deputado bolsonarista Daniel Silveira contra o Supremo
Tribunal Federal e a democracia, que lhe renderam a prisão na terça-feira à
noite, tornou novamente visíveis as disfunções da República. Com a imunidade
parlamentar levada aos extremos, a defesa das instituições perde força. A
entrada em cena do arruaceiro Silveira, antecedida pela do ex-comandante do
Exército, Eduardo Villas Boas, mostrou que não é só o presidente Jair Bolsonaro
que ameaça o regime democrático - os ataques agora vêm de vários lados. A
provocação estúpida do deputado põe à prova o casamento de conveniência de
Bolsonaro com o Centrão. E, não menos importante, o episódio macula ainda mais
a imagem do Legislativo, que não se incomoda de ter entre seus membros inimigos
do voto e da representação popular.
O
deputado Daniel Silveira precisa ser afastado de seu mandato - a rigor, sequer
deveria tê-lo, não fossem as mazelas de um sistema eleitoral em que a oferta de
péssimos candidatos é infinitamente maior do que a dos bons, sérios e
propositivos. A onda bolsonarista nas urnas, em 2018, tornou o inexistente PSL
na segunda maior bancada do Congresso, e com ela vieram em grande quantidade
aproveitadores de toda a espécie, que sequer têm ideia da responsabilidade do
cargo que ocupam - algo que não é restrito a esse partido, mas quase geral.
Há
muitas peças fora do lugar no arranjo institucional que, quando colocado à
prova, como agora, parece sempre estar em busca de uma solução improvisada, não
segue um caminho consolidado, traçado por sólidas interpretações legais. Não há
entendimento sobre o complexo tema dos limites da imunidade parlamentar.
Bolsonaro, como deputado, passou 28 anos na Câmara defendendo a ditadura,
elogiando torturadores, sem que fosse incomodado por quem quer que fosse. Como
demonstrado pela defesa de Silveira, é como se ocupantes de cargos eletivos não
fossem responsáveis por suas palavras e atos.
Um
dos motivos para isso é que a imunidade não é coadjuvada pelo controle que o
Congresso deveria exercer sobre seus membros e normas éticas que os partidos
deveriam impor a seus deputados e senadores. A Comissão de Ética da Câmara é
uma ação entre amigos. Não julgou dois processos contra Eduardo Bolsonaro,
outro contra Flordelis, acusada de assassinato, e de deputados envolvidos em
corrupção durante a pandemia. Foi agora convocada às pressas para trabalhar, o
que raramente faz.
A
legislação dá as garantias ao exercício do mandato e estabelece que a prisão de
um membro do Legislativo tem de ser aprovada por maioria absoluta da Casa. A
prisão só poderá ser decretada em flagrante de crime inafiançável. Juristas
respeitáveis disseram que era o caso agora, e outros, o contrário. Ademais,
Silveira, defensor da ditadura, teve-lhe atirada sobre a cabeça o peso da Lei
de Segurança Nacional do regime militar, que exclui da imunidade ataques ao
estado de direito e atentados contra a democracia - ambas inexistentes quando
se elaborou a peça legal. Essa lei não foi extinta até hoje.
Agindo
como colegiado, o Supremo traçou uma régua sobre a questão da imunidade, de
forma a suspendê-la quando se tratar de ameaça a instituições democráticas -
algo que a chuva de impropérios de Silveira inegavelmente é. Resta saber se a
decisão do STF não terá o mesmo signo da provisoriedade, surgido das
circunstâncias, como ocorreu em outras oportunidades.
As
provocações do bolsonarista Silveira e a reação rápida e contundente do Supremo
deixam desconfortável o presidente, que já atacou as instituições e o STF, até
surgir o caso Flávio Bolsonaro-Fabrício Queiroz. Para não criar uma crise entre
poderes, Bolsonaro tem de se calar sobre o assunto. Andando sobre brasas está o
presidente da Câmara, Arthur Lira. Sua primeira linha de ação, a acomodação,
com a retirada da prisão pelo Supremo e a convocação da Comissão de Ética
parece não ter dado certo.
Lira
tem dois processos contra si no STF e a perspectiva de permitir prisão de
parlamentares é-lhe pessoalmente indigesta, tanto quanto a de indispor-se com
os togados que irão julgá-lo mais à frente. Ele decidiu, com a Mesa Diretora,
recomendar à Comissão de Ética a perda do mandato. O plenário da Câmara precisa
decidir se aceita ou não a prisão do deputado.
A Câmara precisa retirar-lhe o mandato, até como advertência aos parlamentares que defendem a ditadura, que fechou o Congresso.
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