Não
falta agora quem queira se convencer que, com sua nova escalação, o governo
passará a funcionar como um relógio suíço. E a verdade é que nem mesmo se sabe
para que lado girará o relógio. Para vislumbrar com mais clareza divergências
que terão de ser enfrentadas, é preciso perceber que Guedes, o Centrão e
Bolsonaro acalentam visões muito distintas do que será possível extrair de
2021.
Há
12 meses, Guedes esperava que, na esteira da reforma da Previdência, 2020 fosse
o ano do aprofundamento da consolidação fiscal, em que seriam aprovadas as três
PECs que o governo submetera ao Congresso no final de 2019. É bem sabido que
nada disso aconteceu. E, pior, entregue ao negacionismo, diante da eclosão da
pandemia, o governo acabou levado de roldão por pressões políticas em favor da
adoção de medidas de amenização dos desdobramentos socioeconômicos da
disseminação da covid-19. E, tendo em vista a pressa e a improvisação com que
foram concebidas, as medidas afinal aprovadas acabaram tendo impacto primário
de mais de 8% do PIB nas contas do governo central, no ano passado.
O esforço de consolidação fiscal que agora se faz necessário afigura-se incomparavelmente mais difícil do que parecia em fevereiro do ano passado. E é mais que natural, portanto, que o ministro da Economia acalente a esperança de transformar 2021 num ano de vigorosa retomada do esforço de consolidação fiscal que teve de ser abandonado em 2020.
No
final do ano passado, Guedes contentou-se em ressaltar que a não prorrogação do
auxílio emergencial havia sido um sinal importante de compromisso do governo
com a responsabilidade fiscal. Comemoração um tanto precipitada. O
recrudescimento da pandemia, as novas cepas do vírus e o desalento com o avanço
da campanha de vacinação, em um quadro de desemprego ainda muito elevado e
perspectiva de recuperação mais lenta da economia, vêm dando força redobrada às
pressões políticas em favor da restauração do auxílio emergencial.
O
ministro já se viu obrigado a recuar para posição mais conciliatória.
Declara-se, agora, até disposto a conceder mais três ou quatro meses de auxílio
emergencial se, em contrapartida, o Congresso lhe der condições de levar
adiante o esforço de ajuste fiscal que se faz necessário. Quer vincular a
concessão de novo auxílio à aprovação de gatilhos de contração de gastos que
seriam a disparados na medida do agravamento da situação fiscal.
Tendo
afinal se apossado da presidência da Câmara, com apoio ostensivo do Planalto, o
que espera o Centrão de 2021? Que uso pretende dar ao temível poder de barganha
com que agora poderá contar nas suas relações com o governo?
O
agrupamento parece, de fato, um saco de gatos. A argamassa que lhe dá coesão é
a visão comum, que seus integrantes compartilham, do que constitui a essência
da atividade política: um processo de infindável extração de benesses do Estado
para atendimento de interesses especiais. A ascensão de Arthur Lira à
presidência da Câmara não caiu do céu. Foi fruto de longa campanha no
Congresso. Sobram promessas de campanha a pagar.
É
improvável que o Centrão não faça pleno uso da posição de força que agora detém
para avançar para valer na ordenha do Estado. E se disponha a entregar a Guedes
as chaves do acionamento de gatilhos que garantiriam o programa de corte de
gastos públicos que o ministro contempla. Não entregará mais do que o
estritamente necessário para livrar as autoridades fazendárias e o presidente
da República do risco de responsabilização pela expansão fiscal que advirá da
restauração do auxílio emergencial. E para manter as contas públicas em seu
nível atual de precariedade.
Não será um desfecho que desagradará a Bolsonaro. Tendo solapado o avanço de todos os esforços mais sérios de ajuste fiscal no ano passado, o presidente tem outros planos para o Centrão. Proteção contra o impeachment e, na medida do possível, avanço da sua velha pauta conservadora no Congresso. Restaurado o auxílio emergencial, é o que, por ora, o mobiliza.
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